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Ídolo caído
Uma verdadeira corrida -bem mais encarniçada do que qualquer maratona ou disputa olímpica de ciclismo- parece desenvolver-se entre as autoridades esportivas, no seu zelo antidoping, e os avanços da tecnologia química.
O caso do ciclista Lance Armstrong, 41, possui ingredientes tão ou mais emocionantes do que as competições de que participou.
Sete vezes vencedor do "Tour de France", o atleta americano admitiu agora ter usado drogas para turbinar seu desempenho. Trata-se, segundo uma entidade especializada, "do mais sofisticado, profissionalizado e bem-sucedido programa de doping já visto no esporte".
Transfusões de sangue, hormônios e esteroides harmonizaram-se num "blend" destinado a aumentar a presença de glóbulos vermelhos na circulação do esportista.
Vastas somas de dinheiro, enquanto isso, circularam em torno da figura de Armstrong -que, como todo atleta de sucesso, projeta a imagem de uma vida saudável, longe das drogas, e de um espírito digno de aplauso, pelas virtudes da concentração e da persistência.
Persistência houve, de fato, na tentativa de negar os rumores que ora se confirmam. Um tabloide londrino até foi obrigado, em 2006, a indenizar o atleta por notícias que na época se consideraram difamatórias. É provável que agora peça uma reparação. Fabricantes de artigos esportivos e uma seguradora tendem a acompanhar a atitude.
É possível imaginar, num futuro próximo, que os patrocinadores corporativos intensifiquem o controle sobre atletas que os representam. Ou não -é duvidoso, afinal, que se persista na ideia de um desempenho esportivo livre de qualquer fator tecnológico externo.
No mundo publicitário, a beleza não mais subsiste sem manipulações fotográficas. Do mesmo modo, atletas de primeiro escalão conhecem técnicas de treinamento, além de privilégios genéticos, inatingíveis para a média dos que se inspiram em seu exemplo.
Características "sobre-humanas" talvez situem tais atletas num Olimpo, e seria ilusório imaginá-lo ao alcance do mais persistente mortal. Em vez da ambrosia, hormônios e esteroides na dieta. E, para ver sob luz irônica essa polêmica, talvez a própria indústria farmacêutica seja uma futura fonte de patrocínio do esporte olímpico.