Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Opinião

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Jaime Lerner

Um brinde a São Paulo

O Brasil sofre de paralisia aguda no avanço de obras de infraestrutura. A burocracia aprisionante faz da execução uma corrida de obstáculos

Toda vez que São Paulo faz aniversário, o Brasil inteiro deveria comemorar. Dínamo econômico e cultural, maior metrópole da América do Sul, encontro de muitas etnias, essa cidade é superlativa nas muitas contribuição que dá ao país.

Contudo o que se vê é uma apologia da tragédia. Em vez da celebração, veste-se um manto de masoquismo: São Paulo não tem jeito; é grande demais; suja demais, violenta demais; caótica demais. Parece que o paulistano se compraz em dizer que lá nada dá certo. E se uma voz dissonante se aventura a afirmar que há solução, é tratada com desconfiança ou até repúdio.

Não se trata de minimizar os problemas ou ignorar a realidade e, sim, de mudar de perspectiva, pois quem projeta a tragédia acaba por encontrá-la.

O que São Paulo demonstra é a potencialização dos dilemas das cidades brasileiras nas questões fundamentais à sua qualidade de vida -mobilidade, sustentabilidade, identidade, diversidade, coexistência-, em sintomas exacerbados de poluição, congestionamentos, insegurança, isolamento.

A vida de uma cidade não pode se dar dentro de carros, shoppings e condomínios fechados, convivendo com rios que tornam patentes deficits em saneamento ambiental, ou com a segregação de guetos de ricos e de pobres. A separação de funções e os muros dos condomínios retiraram de São Paulo a sua maior riqueza: sua diversidade.

A cidade tem que ser o cenário do encontro que se celebra em seus espaços públicos. Tem que ser uma estrutura integrada de vida, trabalho e mobilidade, onde uma estrutura de crescimento, guiada pelo transporte coletivo, molda o seu desenho.

Tem que cultivar sua identidade, a partir da preservação de sua história e memória, da valorização da diversidade e do cultivo da coexistência. Tem que proteger seus recursos ambientais, patrimônio desta e das futuras gerações.

E São Paulo pode tudo isso. Ambiciosa que é, com esforços bem canalizados, será capaz de promover transformações positivas ao deixar de pensar a cidade para o automóvel e investir com sabedoria no transporte público; ao trazer o jovem para habitar o centro; ao melhor equilibrar a oferta de emprego no território; ao cuidar para que as leis de uso do solo não contribuam para construir uma paisagem urbana ruim.

O preço de não agir é alto. A condição de vanguarda a qual São Paulo ambiciona pode ser dilapidada pelas perdas em qualidade de vida, ativo fundamental de uma cidade hoje.

É preciso fazer, e o país todo hoje sofre de uma paralisia aguda em avançar obras de infraestrutura. Com o intuito de evitar a corrupção ou danos ao patrimônio socioambiental, criou-se uma burocracia tão aprisionante que, além de não coibi-los, transformou a execução de qualquer projeto em uma corrida de obstáculos, na qual a viabilização de uma solução é travada até o limite da desistência. Pior, em um cenário onde os recursos existem. É uma perniciosa estrutura de desconfiança que inibe a ação.

Essa estrutura de desconfiança cria o medo de decidir: ora o Ministério Público, ora as organizações sociais, ora as inúmeras instâncias colocam aos que decidem e querem fazer o pavor de um processo no qual se é antecipadamente culpado; e aos que querem procrastinar ou vender facilidades, as desculpas e motivações para nada fazer.

Simplificar esse procedimento é fundamental, e o fato repousa na responsabilidade. Mas tem que ser possível assumi-la. É uma metáfora comum no futebol dizer que um jogador de talento "chamou pra si" a responsabilidade em um momento decisivo. Por que não podemos fazer isso pelas nossas cidades?

Está na hora de celebrar o aniversário de São Paulo com um brinde de autoestima. Ao metaforicamente apagar suas 459 velas, pedir pela graça de acreditar que as soluções são possíveis.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página