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Entrevista - Almino Affonso

Tudo sobre a ditadura militar

Nunca vi o presidente João Goulart planejar um golpe comunista

ex-ministro do trabalho de jango defende seu governo e aponta o interesse dos eua como um dos motivos que provocaram sua deposição

FABIANO MAISONNAVE DE SÃO PAULO

No golpe de 1964, o então deputado amazonense Almino Affonso (PTB) tentou defender no Congresso o mandato do presidente João Goulart, de quem havia sido ministro do Trabalho. A resistência durou pouco. Cassado, foi ao exílio. Voltou ao país em 1976 e retomou a carreira em São Paulo. No PMDB, foi vice-governador na chapa de Orestes Quércia (1987-1991). Em 1994, no PSDB, se elegeu para a Câmara novamente.

Prestes a fazer 85 anos, Affonso lança nesta semana o livro "1964 na Visão do Ministro do Trabalho de João Goulart". Cinquenta anos depois, faz uma defesa veemente do presidente à época: nega qualquer intenção de Goulart em promover um golpe à esquerda e vê no interesse dos EUA um dos principais motivos de sua deposição.

Folha - Quais os motivos do golpe?
Almino Affonso - Em primeiro lugar, o presidente João Goulart assume o governo já em plena crise econômica.
A inflação subia fortemente já no final do governo Kubitschek (1956-61). Foi um período empreendedor, mas que teve consequências pesadas no plano inflacionário. Agravado logo em seguida pelo período Jânio Quadros (1961), que passa apenas sete meses no governo e renuncia.
Quando o presidente João Goulart assume o governo sob o sistema presidencialista, em 24 de janeiro de 1963, a inflação já estava em torno de 55%. Em dois meses, estava em 60%. Ou seja, é um governo que herdou um quadro dramático em termos inflacionários.
Como decorrência, se refletiu na crise social. O salário começa a ser corroído, e a forma clássica é o trabalhador ir pra greve, luta de pressão social pra recuperar seus ganhos. Ou seja, ele já começa com um quadro extremamente difícil.
Para enfrentar isso, ele tinha de ter negociações imediatas com os EUA para reescalonar a dívida externa, também altíssima, herdada. Nós tínhamos uma política externa legítima, mas contrariava interesses dos EUA.
Por exemplo, o reatamento das relações diplomáticas com a União Soviética. Para nós, era importantíssimo, porque abria espaço maior para negociações internacionais, a começar pela eventual compra do nosso café em troca de petróleo. Mas, para os EUA, era agressão, havia um quadro de choque no plano diplomático, que se refletia no plano econômico e social.
Segundo, houve o Plano Trienal, o primeiro plano que se esboça no país. Foi elaborado por Celso Furtado [ministro do Planejamento]. Quando o governo se instala, tinha objetivo e projeto previsto. E, nesse plano, havia algumas reformas consideradas necessárias para poder levar adiante as mudanças.
Dessas reformas, uma delas era a reforma agrária, que se tornou centro politizador do governo e da sociedade. O governo fazia, através do presidente João Goulart, campanha entusiasta pela necessidade de reforma agrária, mas os latifundiários se opunham de uma maneira radical.
Essa mentalidade, essa visão política dos latifundiários, era majoritária na Câmara. Logo, não tínhamos como alterar a Constituição.

Jango preparava um golpe, como alegava seus adversários?
O [discurso] anti-Jango foi montado de uma forma impressionante. Dou vários exemplos: primeiro, de que o Jango estava tramando um golpe de Estado com o Partido Comunista para instalar um governo paracomunista.
É um absurdo tão imenso, que me espanta que tenha prosperado de uma maneira que era literalmente repetido por toda a imprensa, com a exceção do "Última Hora". Toda a imprensa, inclusive a nossa Folha. Isso ajudava aqueles que tinham posições contrárias ao campo do latifúndio, ao direito de greve etc. Era uma forma de fortalecer o contraditório.
Veja os ministros de João Goulart no primeiro mandato. João Mangabeira [Justiça] era um dos maiores constitucionalistas do país, uma história política exemplar. O ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, um dos homens mais inteligentes e cultos que conheci na vida.
Nunca havíamos tido um Ministério do Planejamento. O primeiro se monta aí. Quem organiza? Celso Furtado. Ministro da Agricultura: José Ermírio de Morais. Uma das maiores lideranças industriais. Quem deles faria, com o presidente, qualquer trama golpista de caráter comunista? A falsidade espanta.
Não vi nunca, jamais, um gesto do presidente tramando um golpe. Eu multiplicaria exemplos para demonstrar que, em várias oportunidades, não faltaram os que sugeriram medidas dessa ordem. Ele recusou sistematicamente.
Um dia, nós vínhamos da Granja do Torto para o Palácio do Planalto, eu vinha ao lado do presidente e estava o general Amaury Kruel na frente. Quando passamos pelo Congresso, o Kruel disse: "Presidente, com um regimento, eu fecho isso e pronto, acaba tudo". E o presidente disse: "Pra quê, general?".

Pela esquerda, Jango era descrito como político inapto...
É só analisar os fatos. Muito jovem, foi eleito deputado estadual. Logo, é presidente do Partido Trabalhista (PTB). Depois, é o coordenador da campanha de Getúlio Vargas, em 1950. Logo, é ministro do Trabalho, com 34 anos.
Ele abre o ministério para o diálogo com os trabalhadores. Vai adiante e vira candidato a vice-presidente da República com Juscelino Kubitschek. Na época, a chapa era individualizada. Com JK, ele tem votação de vice maior do que Juscelino. Será porque ele é um inábil, tolo, boboca? Não parece muito.
Ele foi candidato na chapa com o marechal [Henrique Teixeira] Lott, o candidato anti-Jânio. Ele teve votação maior do que o Lott. O João Goulart não era homem brilhante, de maior cultura. Mas era de uma sensibilidade política extraordinária e fez uma carreira política rara.

Qual é a sua posição sobre a revisão da Lei da Anistia?
Eu compreendo que queiram rever a Lei da Anistia, mas não vejo viabilidade. Quando a correlação de forças sociais permite, você avança o quanto pode. Ninguém inventa as mudanças, salvo pelas armas.
A abertura no Brasil foi com suavidades. No Chile, na Argentina, no Uruguai, se derrubou o regime militar. Aqui, houve quase uma transação, senão explícita, pelo menos implícita. Criaram-se os limites do avanço.


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