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Ricardo Melo

Quem garante um 2018 diferente?

Alternativas existem, mesmo nos limites de um sistema esportivo movido, acima de tudo, pelo lucro

Para começo de conversa, deixe de lado tentativas de associação do resultado da Copa com campanha eleitoral. Seria fazer pouco da inteligência do brasileiro. Assim como as comemorações pelo tricampeonato em 1970 não representaram adesão à ditadura militar, a decepção com o desempenho pífio de 2014 tampouco implica condenação ao governo atual. Até porque, no que lhe cabia, este não foi mal.

Para fins de mídia e demais envolvido$, a vitória sempre tem muitos pais; a derrota invariavelmente é órfã, embora a realidade diga o contrário. Pode-se continuar indefinidamente no exercício do autoengano e procurar as justificativas mais bizarras. Gente chegou a dizer que o chocolate levado pelo Brasil contra a Alemanha estava escrito nas estrelas, bastava comparar a quantidade de Nobel de cada país.

Sou um pouco mais modesto nas explicações. O futebol é um negócio bilionário. Há muito deixou de ser um embate entre "habilidades" individuais, em que improvisação, ginga e origem faziam a diferença. Claro que isto continua a ter seu papel, mas a ladainha de que é tudo esporte, o importante é competir, vencer ou perder faz parte da vida e coisas do gênero só joga água no moinho dos que encontraram nessa modalidade uma mina de ouro.

Para encurtar: quanto já não se leu sobre máfias que combinam resultados, juízes que vendem a alma, atletas e até times (quando não seleções) inteiros que vinculam seu desempenho em campo ao saldo bancário proporcionado por gangues de apostadores e escroques?

De tempos em tempos, surge uma onda purificadora para punir os que exageraram na cobiça, como aconteceu na Itália, com rebaixamentos, prisões e perda de títulos. São apenas exceções a confirmar, e até agora a perpetuar, a regra.

A Fifa, ela mesma, é uma quadrilha a céu aberto. Uma verdadeira multinacional do crime, com direito a filiais pelo mundo afora. Em tudo há alguém ganhando uma bufunfa por fora: venda de ingressos, direito de sediar uma Copa, transmissões de TV, contratação de jogadores, comércio de chaveiros, monopólio de marcas. Nada escapa. Espírito esportivo? Veja um exemplo: o uruguaio que tascou uma mordida no adversário, mesmo reincidente, há pouco protagonizou uma transação milionária. Talvez seja a dentadura mais cara da história. Segundo um jornal espanhol, o Barcelona gastará cerca de R$ 226 milhões (!) com o passe de Luis Suárez, hoje no Liverpool, mesmo sem ele poder entrar em campo até outubro. Precisa falar mais?

Nada a ver com saudosismo dos tempos da bola de capotão. Ser um negócio não necessariamente demoniza o esporte. Mas é preciso encará-lo como tal. Dispensável dizer que há muito tempo o Brasil deixou de ter o melhor futebol; resta admitir. Com dinheiro, investimento e tecnologia atuais, um coreano é capaz de montar uma escola de samba digna de disputar o caneco no Sambódromo. Zico foi produzido em laboratório. Ronaldo, idem. Messi também.

Foi o que os europeus --e os americanos estão no mesmo caminho-- fizeram com o futebol. Propostas de coibir venda de jogadores brasileiros ou impor cotas de idade em negociações não passam de conversa de bar, e após muitos goles. Só um desmiolado imagina criar normas para impedir um atleta brasileiro de ganhar mais. Como assim, se esta é a regra do jogo no sentido amplo, seja qual for a atividade? Além do que futebol não é recurso natural ou nacional, como petróleo, floresta amazônica ou malha hidrográfica.

Alternativas existem, mesmo nos limites de um sistema movido, acima de tudo, pelo lucro. A primeira delas, e talvez a mais importante, é atacar a corrupção abolindo a promiscuidade entre dinheiro público e esportes privados. Procura-se gente disposta a dar o pontapé inicial. A quem interessar: nesse assunto, faltam razões para qualquer otimismo.


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