Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Poder

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Tragédia na eleição

'A morte bateu na porta errada'

Renata, viúva de Campos, diz a amigos que todos estavam tão felizes antes do acidente que nada indicava que algo ruim pudesse ocorrer

NATUZA NERY ENVIADA ESPECIAL AO RECIFE

Uma romaria de amigos, assessores e políticos inundou a casa onde Eduardo Campos vivia com a mulher Renata e seus cinco filhos. Pessoas que estiveram na casa no bairro recifense de Dois Irmãos viram a viúva firme e serena. Chorava apenas quando abraçava alguém próximo da família.

No terraço de uma casa confortável, porém sem luxo, Renata amamentava o filho caçula Miguel, nascido em janeiro. Segundo relatos de presentes, trajava calça jeans, blusa branca e chinelos.

Por telefone, falou pela primeira vez com o ex-presidente Lula desde a queda do avião que matou seu marido. Até agora, a viúva não fez nenhum pronunciamento público sobre o acidente.

Eduardo e Renata não se desgrudavam. E ele queria que ela tivesse seguido com ele na viagem a Santos.

Segundo interlocutores ouvidos pela Folha, foi ela quem preferiu voltar para a capital de Pernambuco para cuidar dos outros filhos. Prometeu ficar ao lado do marido na semana seguinte. E foi assim que Renata e Miguel se salvaram do acidente.

Rodrigo Molina, o sobrinho fiel que atuava como sombra do candidato, foi instruído por ele a acompanhar sua mulher no avião de carreira. Havia somente "1% de chance" de que Molina não estivesse naquele voo fatal.

Entre um abraço e outro, conversas sobre como Campos estava feliz e dos planos que ambos faziam para o futuro. "Ela está forte como uma rocha", contou um amigo da família. "E os filhos estão firmes", acrescentou.

Integrantes da família às vezes contavam histórias engraçadas da campanha, e se lembravam saudosos de Pedro Valadares, assessor e amigo que morreu ao lado de Campos na quarta-feira.

Valadares era sempre fotografado dormindo. Em uma dessas pescadas, dentro do avião em uma viagem há cerca de um mês, o assessor de imprensa Carlos Percol, também vítima da tragédia, pegou o celular de "Pedrinho", como era conhecido, e escreveu, passando-se por ele, para uma lista de mais de cem pessoas no WhatsApp: "Pessoal, tenho que contar uma coisa para vocês. Beijei um homem hoje. Estou me sentindo estranho".

As brincadeiras eram um traço da campanha. Em outra ocasião, desta vez com Marina Silva a bordo, Valadares queria tomar uma dose de uísque para relaxar. Como a ex-senadora não bebe nada alcoólico, despejou uma quantidade suficiente para um trago num copo de plástico. Para disfarçar, perguntou: "Senadora, quer um guaraná?".

Nas conversas dentro da casa, pessoas relataram que um dos filhos comparou o jatinho a um automóvel: se fosse um carro, teria 5.000 quilômetros rodados.

"Não parece verdade" era a frase mais ouvida entre os frequentadores da casa da família Campos. E Renata assim resumiu esse sentimento em muitas conversas, inclusive com o ex-presidente Lula: "Parece que ele vai chegar aqui a qualquer momento".

Sobre a mesa de jantar, água, café, bolachas e bolo, quase tudo praticamente intocado ao longo do dia.

O prefeito de Recife, Geraldo Júlio, afilhado político de Campos, se dividia entre as providências práticas para o funeral e o sofrimento da perda. Quando não falava ao celular, era visto, aos soluços, escondendo o rosto.

Um visitante contou um fato curioso. Um dos filhos vira, no dia da entrevista do pai ao "Jornal Nacional", um inseto conhecido como "esperança" pousado no teto. Tirou uma foto e mandou aos pais por celular.

Na família, há uma crença de que toda vez que o inseto sobrevoa perto, é a presença espiritual de Miguel Arraes, morto em 13 de agosto de 2005, nove anos antes do neto.

Renata, bebê no colo, fez alguns dos presentes chorarem, conforme apurou a Folha. Na conversa, dizia que todos estavam tão felizes e confiantes que nada, nem um aperto no coração, nem um frio na barriga, indicavam algo ruim. "Por isso estou com essa sensação de que a morte bateu na porta errada. Não era para ser eles. Não era."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página