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Entrevista Da 2ª - Carlos Pereira

Não há força política fora de partidos institucionalizados

PARA CIENTISTA POLÍTICO, IDA DE MARINA SILVA PARA SEGUNDO TURNO SINALIZARIA QUE LEGENDAS NÃO IMPORTAM NO BRASIL

PATRÍCIA CAMPOS MELLO DE SÃO PAULO

A reedição do embate PT-PSDB no segundo turno desta eleição mostra que no Brasil não há força política fora dos partidos políticos dominantes. Essa é a opinião do cientista político Carlos Pereira, professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV) e autor do livro "Making Brazil Work: The Unexpected Success of Multiparty Presidential Regimes". Para ele, apesar de a candidata Marina Silva (PSB) ter inicialmente ganhado força com os anseios de mudança da geração dos protestos de junho de 2013, a desidratação de sua candidatura é prova de que o sistema democrático brasileiro é sólido e se baseia em partidos institucionalizados.

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Folha - É ruim para o processo democrático termos novamente um embate entre PT e PSDB no segundo turno da eleição presidencial, em vez de Marina Silva e o PSB, que seriam a novidade?
Carlos Pereira -- Não. Democracias modernas se caracterizam por um alto grau de competitividade entre partidos que têm uma institucionalização. Marina não conseguiu montar um partido, fez o movimento estratégico de entrar no PSB e, por causa do acidente com Eduardo Campos, foi alçada à candidatura. Se Marina fosse para o segundo turno, passava a sinalização de que os partidos importam menos no Brasil. É importante que as democracias se constituam por meio de partidos políticos. Quanto mais os partidos forem fortes e institucionalizados, melhor a democracia. O fato de estarem no segundo turno candidatos de partidos que vêm se rivalizando desde 1994 sugere que essas legendas representam as preferências dessa sociedade. Aécio Neves (PSDB) mostrou mais musculatura porque vem de um partido que tem distribuição nacional, que governa estados importantes. Essa densidade permitiu a ele chegar no final da campanha mais forte e sinalizar para o eleitor insatisfeito com o governo que a alternativa era ele.

Nas manifestações de junho do ano passado, parte dos protestos se voltava contra os partidos que "não representam" os eleitores...
Acho isso completamente furado. Na realidade, a democracia brasileira é hiper-representativa, o inverso do que alguns analistas políticos interpretam. Não existe hoje nenhum interesse na sociedade brasileira fora do jogo político dos partidos institucionalizados. Os protestos eram contra a má qualidade dos serviços públicos, e não contra a política. A presidente Dilma interpretou os protestos de forma equivocada, tentou transferir responsabilidade para o sistema político e sugeriu desastrosamente um plebiscito. O sistema político brasileiro está celebrando seu apogeu, tem um processo eleitoral limpo, em que os candidatos estão disputando de forma legítima e não existe nenhum risco de alguém perder as eleições e se insubordinar.

Por que Aécio Neves teve votação tão superior à que se projetava?
Pesquisas já vinham mostrando que a maioria dos brasileiros queriam mudança. O grande desafio era ter uma candidatura que conseguisse sinalizar a volta de um equilíbrio macroeconômico, sem o receio de que as conquistas sociais estariam ameaçadas. Existia um perfil bem claro do eleitor de Marina: jovem, classe média, educado e originário dos grandes centros urbanos. Era o mesmo que foi para as ruas em 2013. Como ocorreu uma desidratação de Marina para o patamar de votação que ela obteve em 2010, cerca de 20%, acho que ela perdeu para Aécio dois tipos de eleitor "" o que veio para ela pelas manifestações de 2013 e aquele que migrou para sua candidatura depois da morte de Eduardo Campos. Esses eleitores optaram por Aécio ao ver que Marina perdia força, por causa das inconsistências que ela apresentou e que foram mostradas à exaustão por Dilma. Agora, as pesquisas não capturaram isso. Captaram uma ascensão de Aécio, mas não na casa dos 35%.

Esse eleitorado do Aécio tem confiança de que ele não vai acabar com os programas sociais, ou esse eleitorado não está preocupado com isso?
Está menos preocupado, mas ainda está. Existem duas grandes crenças que norteiam a preferência da maioria do eleitorado brasileiro: inclusão social e equilíbrio macroeconômico. Os governos do PT precisam levar crédito por uma grande gama de políticas de proteção social, não só a transferência de renda com Bolsa Família, mas também sistema de cotas universidades públicas, crédito para universidade privada, política vigorosa de valorização do salário mínimo, acesso a crédito. Tudo isso gera para o eleitorado um sentimento de receio de que as alternativas de mudança levem à perda desses ganhos. Já o equilíbrio econômico se refere ao ganho que a população teve com o controle da inflação, ninguém hoje está disposto a abrir mão disso. A Marina representava uma mudança, mas com muitas incertezas, enquanto a Dilma representa algumas insatisfações em relação à gerência macroeconômica. Essas duas crenças se equilibram no país. No Piauí, onde 70% do eleitorado votou em Dilma, há uma preocupação muito maior com a inclusão social. Já no Paraná, onde 50% votaram em Aécio e 32% em Dilma, o foco do eleitor é o equilíbrio macroeconômico. O país está dividido entre metade da população que aprova o governo e metade que o desaprova. Esse eleitor que desaprova viu em Aécio a única possibilidade real de derrota do projeto do PT.

Qual maior desafio de Aécio?
Pegar a Marina. Ele tem que levá-la pra jantar hoje à noite e propor a ela um governo de coalizão. Seria inusitado para o Brasil um acordo programático, Marina sinalizando para a população que não está indo em busca de cargos, mas em busca de um programa comum. Há chance de isso acontecer porque Marina saiu muito magoada com a Dilma. Aécio precisa apresentar um projeto para Marina participar de seu governo, não só um projeto para ganhar a eleição.

Se eles se unirem, será uma grande ameaça para a reeleição de Dilma?
Independentemente da Marina, Aécio já é uma ameaça real. A grande maioria dos eleitores da Marina já tende a ir para o Aécio. Ele se torna uma alternativa muito crível de ganhar as eleições. O jogo ganha mais incerteza, o PT tem uma candidatura muito forte, mas não vai ter gordura para queimar. Se a macroeconomia estivesse em equilíbrio hoje, a presidente Dilma teria sido reeleita no primeiro turno. Dilma teve em torno de 40% dos votos, ela é minoritária se somarmos votos de Marina e Aécio.

A presidente Dilma tem problemas ao gerenciar sua coalizão?
Sim. Desde a redemocratização, nenhum partido do presidente conseguiu ser majoritário sozinho, e eles tiveram de construir coalizões pós-eleitorais. O grande problema é que existe uma margem grande de escolha na hora de o presidente montar sua coalizão. O PT preferiu construir uma coalizão muito ampla, muito heterogênea ideologicamente e desproporcional, alocou mais cargos para o próprio partido e premiou seus aliados com menos espaços de poder. O Lula montou coalizão de 12 partidos, mas o principal aliado, PMDB, só ganhou dois ministérios, enquanto o PT ganhou 21 dos 35 ministérios. Com isso, houve crescente animosidade entre os aliados. O partido precisou criar outras moedas de troca para poder compensar esses aliados que estão insatisfeitos. Há as moedas de troca legais --emendas orçamentária, ministérios, concessões em determinadas políticas. Mas quando essas são insuficientes, há trocas ilegais, como aconteceu com o mensalão e agora com os escândalos da Petrobras. Um burocrata da Petrobras pegou uma parcela de recursos ilegais e distribuiu para os políticos. Se o PT desse mais espaço para os outros partidos no governo não teria necessidade dessas trocas ilegais. Ou se tivesse montado uma coalizão com um número menor de parceiros. Além disso, os parceiros têm preferências completamente opostas, porque a coalizão da Dilma é uma salada de fruta completa, tem desde Maluf até o PC do B passando pelo PMDB.

Qual é o principal desafio para Dilma, se ela se reeleger?
Primeiro, montar uma coalizão radicalmente diferente: com menor número de parceiros, mais homogêneos do ponto de vista de suas preferências e com poder mais compartilhado. Outro desafio fundamental é tentar resgatar credibilidade na sua política macroeconômica. Dilma ainda não fraturou o âmago do tripé estabelecido com o Plano Real, mas vem namorando com o perigo. Algumas agências de classificação de risco já diminuíram a nota brasileira. As contas públicas estão deterioradas, a inflação está alta e o crescimento, pífio. Como Dilma tem pouca credibilidade com os mercados, qualquer ajuste iniciado por ela fatalmente será mais doloroso do que um ajuste feito por Aécio. Ele não precisaria de um ajuste tão duro, porque já representaria um choque de credibilidade.


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