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Entrevistas Folha Ribeirão Marco Barbieri

Cesárea pode ser causa de obesidade durante vida adulta

O pediatra e professor, que estuda as pessoas desde o nascimento, também diz que cesáreas podem gerar bebês de baixo peso

GUSTAVO STIVALI COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE RIBEIRÃO PRETO

Mais de 16 mil crianças e adolescentes já foram "avaliados" pelo pediatra e professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto Marco Antônio Barbieri, 72.

Há mais de 30 anos, o acadêmico vem se destacando pelos estudos, que acompanham o desenvolvimento de crianças ao longo da vida.

Um dos objetivos é descobrir, por exemplo, relações entre o tipo de parto da criança, natural ou cesariano, e o desenvolvimento de problemas, como a obesidade.

A primeira coorte -como se define um grupo de pessoas alvos do estudo- foi de 6.800 crianças nascidas em 1978. Também já foram analisados dados de uma segunda coorte, de 1994.

O estudo mais recente de Barbieri está em andamento. O professor, em conjunto com outros 40 acadêmicos, está coletando e analisando os dados de 7.000 crianças nascidas em 2010 em São Luís (MA) e Ribeirão Preto.

Essas crianças serão acompanhadas até a idade adulta para que seus dados possam ser comparados com os dos grupos anteriores.

Em 30 anos de pesquisa, os dados apontaram que as cesarianas mais do que dobraram em Ribeirão: eram 30% dos partos em 1978, hoje são 68%. Confira alguns trechos da entrevista com Barbieri.

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Folha - Qual é a importância de fazer estudos que acompanham as mesmas pessoas por longos períodos de tempo?

Marco Antônio Barbieri - Esses tipos de estudos permitem descobrir relações entre fatores que aparentemente não tinham ligação, como, por exemplo, bebês que nascem de cesariana e a obesidade. O fato de uma pessoa ter nascido de cesária pode estar associado ao desenvolvimento da obesidade no futuro.

Uma das hipóteses que estamos levantando é de que a microbiota [microorganismos associados a tecidos ou órgãos] do corpo é alterada pelo fato de a pessoa nascer em uma cesariana, o que levaria a mudanças no comportamento metabólico e biológico. Outro provável efeito é que a cesariana pode prejudicar o metabolismo do bebê a ponto de ele ficar obeso futuramente.

O importante também é que com estes estudos nós podemos trabalhar com relações transgeracionais. Podemos nos questionar que pessoas que desenvolveram problemas, como obesidade e outros tipos de doenças, podem vir a "transferi-los" para os seus filhos.

Com a terceira coorte serão realizados estudos diferentes, por meio de informações obtidas por métodos diferentes. Quais são essas novidades?

Uma das nossas vontades com a coorte 3 é entender as tendências circulares das questões perinatais [período que precede e sucede imediatamente o nascimento] em Ribeirão Preto. Vamos repetir os estudos dos nascimentos, que foram feitos nas outras coortes, para comparar.

Mas também vamos fazer, por exemplo, um estudo sobre a prematuridade, um fenômeno que está aumentando. Queremos saber o que está acontecendo para que haja aumentos nos casos de nascimentos prematuros.

Um outro ponto que queremos descobrir: o que acontece com o bebê que nasce prematuro? Quais são as consequências da prematuridade?

Para descobrir isso, fizemos uma "coorte do pré-natal". Foram feitos vários exames com as mães grávidas para descobrir uma série de medidas que poderiam influenciar na prematuridade.

Ao nascer, coletamos saliva de todos os nenês e de algumas mães. Estamos terminando agora a coleta de dados dos bebês que de fato nasceram prematuros.

Nós os medimos, pesamos, os avaliamos, aplicamos testes de desenvolvimento. Estamos também entrevistando as mães, fazendo exames de saúde mental, da saúde ginecológica. É um estudo de variáveis, para podermos avaliar se o desenvolvimento da criança está ligado a ter nascido pequeno ou não, ao fato da mãe ter sido vítima de violência ou ter tido depressão pós-parto.

O que esse novo estudo já apontou de diferente entre os bebês que nasceram agora, em 2010, e os das coortes anteriores?

Nos outros estudos, a coleta de dados foi escolar. Nós não pegamos, como agora, dados desde a gravidez. Agora nós podemos estudar os bebês durante os primeiros mil dias. Projeto futuro: pegar esses bebês antes do quinto ano, em idade escolar, e fazer comparações com os dados dos projetos anteriores.

A coorte 3 já traz em seu bojo uma série de informações no nascimento que eram impensáveis como provocadores de problemas há 30 anos.

Nesses 30 anos de estudos, qual foi a descoberta que mais o surpreendeu?

Tive dois choques ligados ao perinatal. Primeiro, foi perceber que a cesariana poderia ter, além dos seus efeitos terapêuticos conhecidos, outros que eram deletérios. Foi ter percebido, por exemplo, que os nascimentos com baixo peso, com menos de 2.500 gramas, tiveram relação forte com o aumento das cesarianas. Foi um "achado" nosso ter descoberto pela primeira vez, em 1998, que poderia ser um risco fazer uma cesariana sem um diagnóstico para seu uso terapêutico.

O segundo choque também está ligado à cesariana. Estamos conseguindo identificar que a cesariana pode estar contribuindo na cadeia da obesidade futura, como citado anteriormente.

Mas qual seria essa relação entre a cesariana e a obesidade?

A microbiota. O bebê, ao nascer por um parto normal, ao passar pelo canal da mãe, aspira uma microbiota e a incorpora. Na cesárea, essa microbiota [incorporada] é diferente. Essa falta pode vir a prejudicar na própria incorporação do leite materno. Estamos levantando isso, que pode vir a ser mais uma explicação.

Uma das constatações do senhor, comparando os dados destes três estudos, é que houve aumento no número de operações cesarianas. A que se deve este aumento?

A cesariana no Brasil funciona como uma epidemia. Em Ribeirão Preto, por exemplo, existe um hospital cujos partos são 98% de cesarianas. E não são partos mais complicados, em que há risco de vida para as mães.

Questões econômicas levaram ao aumento de cesarianas?

São vários fatores. Para um médico fazer um parto normal são necessárias horas, o que pode fazer com que o médico perca as consultas marcadas no dia -e ele não ganhará por isso. Um parto normal pode levar de oito a dez horas. Uma cesariana é um processo mais rápido.

Tem outros fatores também, como superstições por parte da mãe, que não quer que o filho nasça, por exemplo, no dia dos mortos, e a formação do médico, que passa por uma faculdade que não o ensina a fazer parto normal.

O que importa é que estes fatores levaram à criação de um "monstro". Em Ribeirão Preto, o número de cesáreas chegou a 68% (em 1978, data do primeiro estudo, eram 30%). Mas tem coisas boas ligadas à cesariana também.

Em Ribeirão Preto, a natimortalidade em 1978 era de 22 casos por mil partos. Em 1994, quando as cesáreas quase dobraram, o número caiu para 9,5 casos por mil. Os dados do novo estudo (2010) apontam que a natimortalidade caiu para 4,5 por mil partos.


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