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Entrevista - Reginaldo Vianna, 63

Confiança entre médicos e pacientes está comprometida

Cirurgião pediátrico lança livro de filosofia e questiona, em entrevista à Folha, por que as relações nos consultórios estão mais difíceis

LUÍS EBLAK EDITOR DA "FOLHA RIBEIRÃO"

"A confiança entre médico e paciente foi consumida pela presença cruel da relação convênio-paciente. [Com os planos de saúde] O paciente passou a ter o seu médico do convênio', que deixa de existir com a troca do convênio."

A afirmação é do médico ribeirão-pretano Reginaldo Vianna, 63, que acaba de lançar o livro "Qual Quem Sou Eu?" (editora Funpec).

Para ele, a necessidade dos convênios é fundamental na sociedade brasileira, mas ela trouxe consequências sérias, inclusive na saúde pública.

"No SUS, [há também uma] desconfiança mútua. O paciente é induzido a duvidar da capacidade do médico."

Ex-professor de cirurgia pediátrica e formado pela tradicional FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto), da USP, Vianna decidiu estudar filosofia aos 57 anos.

O livro agora lançado é fruto dessa graduação tardia e não trata da medicina. Na conversa com a Folha, porém, sua profissão ganhou destaque. Na obra, o principal foco de Vianna é a filosofia, sim, a relação que o ser humano estabelece com os outros à sua volta.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Profissionais liberais costumam lançar livros de literatura, mas poucos se aventuram na filosofia. Por quê?
Reginaldo Vianna - O fato de ser profissional liberal certamente exacerbou em mim o questionamento constante sobre tudo e sobre todos. A minha formação exige uma capacidade ou uma possibilidade maior em "juntar fragmentos" (da saúde ou da falta dela) e conceber um diagnóstico para posteriormente estabelecer um tratamento.
Felizmente meus resultados sempre foram muito bons e a gratificação pessoal, incrível. O desgaste, porém, de todo esse processo após 35 anos de centro cirúrgico, me fizeram procurar a eventual origem da forma de nosso pensar e de nossas posturas.

Como resume as ideias centrais do seu livro?
1- Não temos um eu original nem particular, 2- o nosso eu deve ser uma criação "a quatro mãos", 3- e as dúvidas sempre são verdadeiras, as respostas nem sempre.

Pode-se dizer que a base da filosofia é o questionamento. A dúvida também é vital para a medicina, mas esta, por outro lado, busca o mais próximo possível a "certeza". Como conciliar esses dois mundos?
Durante toda a minha vida médica esta questão me perseguiu. Eu preciso de "certeza", ainda que provisional, para chegar a um diagnóstico, principalmente cirúrgico.
Meus pacientes sempre foram crianças com malformações a serem corrigidas, ou patologias graves e com indicação cirúrgica. Eu nunca aceitei a falha e a família esperava de mim "certeza diagnóstica e habilidade cirúrgica impar", não aceitando menos do que o ótimo.
Ninguém melhor do que o médico conhece suas limitações e as limitações da medicina, mas como acreditar em sua própria incapacidade e continuar atendendo? Este dilema pode nos levar à depressão ou à supervalorização de nosso conhecimento.
O atendimento médico, por sua vez, se fundamenta na confiança mútua, médico-paciente, e ela está muito comprometida em nossos dias, quando o paciente pode escolher, não o seu médico, mas o seu convênio e, no caso do SUS, nem isso.
A filosofia pode me mostrar que o homem somente poderá chegar em níveis de conhecimento maior por meio da dúvida. na aceitação ativa da dúvida. A verdade é aquela que existirá por um tempo variável ou infindável, até que possa aparecer, ou não, uma nova verdade em função de um novo conhecimento.

Por que essa confiança mútua está comprometida?
A relação entre médico e paciente foi consumida, fragmentada pela presença cruel de uma nova relação, a relação convênio-paciente. A necessidade do convênio em nossa sociedade é fundamental, mas há que se considerar o risco contido nesse "progresso irreversível".
Com a vigência dos convênios, o paciente passou a ter uma nova situação, a de ter o seu "médico do convênio" que deve ser deletado imediatamente (exceto em poucos casos) quando existe a troca do convênio. [Assim] Um novo médico será escolhido.
Evidentemente no SUS isto é levado ao extremo e leva perigosamente a uma relação de desconfiança mútua. Evidentemente o livro não foi escrito para discutir medicina, mas as suas perguntas me levaram a esse paralelo.

Como o sr. trata no livro sobre a busca do eu, senti falta de alguns autores mais modernos, como Gilles Lipovetsky, autor de "A Era do Vazio". Pretende dar continuidade ao tema abordado, em outro livro?
Eu realmente não sou e não tenho erudição filosófica para discutir temas específicos de filosofia ou sociologia. A minha formação filosófica certamente é pouco menor do que seria o básico necessário. Por mais de 40 anos eu só li e estudei técnicas cirúrgicas em cirurgia pediátrica.
A suposta necessidade de um progresso radicalizado atropelou a humanidade que não pode se adaptar "ao novo" (Ulrich Beck) e culminou com o individualismo fundamentado na singularidade absoluta do homem.
Este individualismo é muito mais um fenômeno sociocultural do que apenas mais uma área de estudo da filosofia. Foi este tipo de individualismo, que minimiza a importância do "outro" na nossa vida, que me chamou a atenção porque era isso que eu percebia, algumas vezes, no atendimento médico diário, mas principalmente nas discussões de entidades de classe, das quais eu fiz parte muitos anos.

Leia a íntegra
folha.com/no1307318


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