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Minha História Idário Santos, 46

Esperança incurável

Engenheiro descreve a epopeia que enfrentou para diagnosticar, tratar e curar seu filho, portador de uma doença metabólica rara

GIULIANA MIRANDA DE SÃO PAULO

Resumo Idário Santos, 46, vendeu quase tudo o que tinha para salvar o filho Artur, portador da MSUD, transtorno raro não captado pelo teste do pezinho padrão no Brasil. Sem falar inglês, mudou-se para os EUA, onde já se fazia um transplante capaz de curar a doença. O procedimento deu certo, e hoje sua página no Facebook é referência. Ele acaba de lançar "Uma Doce Odisseia" (Ed. Publit), contando sua história

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Meu filho Artur nasceu em 18 janeiro de 2002 e, já no primeiro dia de vida, pouco depois de ser amamentado, apresentou problemas de saúde. A gente não conseguia entender o que estava acontecendo. Fomos de um lado para outro em Petrolina (PE), sem conseguir uma resposta para o problema. Ele logo precisou ser internado.

Desesperados, depois de cinco dias nós o levamos para Fortaleza, onde minha mulher tem família e os hospitais, mais estrutura. Foram centenas de exames e nenhuma resposta. Antes de descobrir a real doença do meu filho, ainda enfrentamos um diagnóstico errado.

Aos 31 dias de vida, finalmente confirmamos o problema: doença da urina do xarope de bordo, conhecida pela sigla em inglês MSUD ("maple syrup urine disease").

Pode parecer pouco, mas um mês é muito para iniciar o tratamento da MSUD. A doença pode ser diagnosticada nos primeiros dias de vida pelo teste do pezinho.

Mas, aqui no Brasil, esse teste na rede pública cobre só um espectro pequeno de doenças [o teste padrão do SUS não inclui a MSUD].

Mesmo com o diagnóstico, ninguém sabia bem como tratar meu filho. Buscamos informações com outras famílias e acabamos indo para o Rio Grande do Norte, onde médicos haviam tratado outra criança com o problema.

A doença é um distúrbio metabólico que causa acúmulo de alguns aminoácidos nos líquidos corporais. A alimentação precisa de muito controle. Ele tomava uma fórmula especial, importada, que custava US$ 500 e durava, quando muito, quatro dias.

Sou engenheiro e tinha uma consultoria ambiental. Minha mulher era funcionária pública. Tínhamos uma fazenda que exportava. E mesmo assim não há quem suporte o peso do tratamento, gastando mais de R$ 1.000 a cada três ou quatro dias só para o filho ter o que comer.

Em Natal, os equipamentos e os recursos eram limitados. Nós quase perdemos o Artur. Foi um momento muito difícil, porque ele teve parada cardíaca e respiratória.

Mudamos, de novo, agora para Porto Alegre, e lá ele melhorou. Mas o dinheiro se esvaia. Estávamos sem ter o que vender para pagar o tratamento e toda a estrutura de profissionais que ele requer.

Conseguimos na Justiça que o governo pagasse a fórmula, mas muitas vezes ela atrasava. Passei a fazer parte de associações e, em 2004, fui convidado para um simpósio nos Estados Unidos. Lá, conheci o médico geneticista Kevin Strauss, que me falou sobre um transplante especial de fígado e a possibilidade de cura para o meu filho. Eu não acreditava. Fiquei empolgado e perguntei o valor. Seriam US$ 225 mil pela cirurgia e tratamento. Eu não tinha o dinheiro, não tinha visto de trabalho, não falava inglês, mas fui atrás pelo Artur.

SONHO AMERICANO

O doutor Strauss me ajudou muito. Conseguimos um desconto. Com duas fundações, levantei US$ 25 mil em doações. No fim, o procedimento sairia a US$ 65 mil.

Entrei na Justiça em busca desse valor. Só na fórmula, o governo gastava US$ 70 mil por ano. Seria uma economia. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, que autorizou, enfim, o procedimento.

Vendi o pouco que me restava e me mudei para os EUA, sem dominar a língua. No início, tínhamos uma tradutora do espanhol, mas nem sempre era fácil. Eu precisava do inglês para me comunicar com a equipe médica.

Eu só tinha um dicionário, e era com isso mesmo que eu estudava. Lia tudo várias vezes, de trás pra frente. Via TV, escutava música e consegui.

Em 2005, o Artur fez o transplante. Ele teve uma complicação inicial, mas hoje está curado. É uma criança normal, que brinca e estuda.

Hoje eu moro com minha família nos EUA, mas sonho que as crianças brasileiras também tenham acesso a um tratamento assim.

Minha página nas redes sociais, onde compartilho informações sobre a doença, virou ponto de encontro. Conecto pessoas interessadas em doar e outras precisando de tratamento. Oriento sobre como procurar a Justiça. Até recebi famílias na minha casa. Faço tudo no meu tempo livre, não ganho para isso, mas penso em ter uma fundação.

Não acho que eu seja um herói. Fiz o que um pai tem de fazer por seu filho. O verdadeiro herói é ele, que nunca desistiu, nunca reclamou.


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