Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Turismo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Zeca Camargo

Além de qual horizonte?

Ofereci um bilhete aéreo hipotético para Fakasoa, jovem morador de Tuvalu; ele escolheu a ilha vizinha

Quem acha que não é possível atravessar uma capital internacional a pé deve visitar Tuvalu. Em duas horas e meia eu caminhei por toda Funafuti, a maior cidade desse conglomerado de ilhas e atóis na Oceania. Isso foi tudo que eu conheci desse país que só não é menor que Nauru, Mônaco e o Vaticano. Passei uma semana lá, para fazer uma reportagem sobre a possibilidade de o lugar ser coberto pelo oceano até 2050 (o ponto mais alto de Funafuti que visitei ficava pouco mais de um metro acima do nível do mar). Como só existe um voo por semana --partindo de Suva, em Fiji-- fui "obrigado" a ficar lá por longos e lentos sete dias.

Não faltou diversão. De manhã, trabalho. À tarde, tempo livre para explorar aquele "imenso" território. À noite, com um pouco de sorte, era possível ir a uma festa, onde ouvia a música mais estranha com que já me deparei no mundo: dezenas de mulheres dançavam num grande galpão de paredes vazadas. Enfeitadas com flores e, eventualmente, notas de dinheiro e guloseimas (sacos brilhantes de batata frita, biscoitos e balas --adereços que um dia, imagino, já foram frutas), elas repetem versos cada vez mais rápidos, acompanhadas por percussão em caixas de madeira, até que tudo termina abruptamente. É hipnótico e único. Depois dessa espécie de transe, o sono vinha fácil.

Um dia na praia, conversando com Fakasoa, um jovem de não mais de 20 anos, que gostava de rap e de surfe, perguntei a ele, um garoto nascido e crescido num lugar que mal se vê nos mapas do Pacífico, qual seria o destino de seus sonhos. Ofereci um bilhete aéreo hipotético a ele, para qualquer lugar no mundo. Para onde ele queria ir? Depois de dois minutos de silêncio, com os olhos brilhando, ele respondeu: Suva!

Suva? Ali do lado, em Fiji? Insisti na pergunta e exagerei na parte do sonho: "Qualquer lugar", reforcei. Mais dois minutos pensando e Fakasoa encheu a boca para falar: Austrália! Sei... O mundo inteiro para escolher e ele me vem com Austrália? Relutei em perceber que, se sua referência é Tuvalu, seu horizonte maior talvez não passasse mesmo da Austrália.

Europa? Distante demais. África, América Latina --ou mesmo Brasil? Esses lugares existem mesmo? Para Fakasoa, a viagem mais ambiciosa era a um destino relativamente perto e conhecido --e isso era perfeitamente coerente com o que ele conhecia do mundo. Se aqui no nosso país as crianças querem ir à Disney, os jovens (talvez) rodar de mochila pela França e pela Itália, e os mais aventureiros vão procurar emoções na Índia, lá em Tuvalu, sair sem destino significa parar nas praias de Darwin, na costa norte australiana.

Foi um encontro breve e inesquecível, que me ajudou a reorganizar minha bússola interior --e perceber que cada pessoa tem seu horizonte.

Para uma amostra da inigualável música de Tuvalu, acesse: youtube.com/watch?v=g8j9YOp2jS4.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página