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Zeca Camargo

Rir por tudo e por nada

Na primeira visita, Lisboa foi só a porta de entrada para a Europa, injustiça que levei anos para revisar

Eis que chego numa cidade que conheço bem, mas que sempre quero conhecer mais. Lisboa foi a primeira cidade europeia que visitei, quando ainda era adolescente. Naquele janeiro de 1980, considerei aquela parada apenas uma porta de entrada para a Europa --uma injustiça que demorei quase duas décadas para revisar. Hoje, Lisboa é simplesmente uma das minhas cidades favoritas no mundo, onde eu procuro passar pelo menos uma vez por ano. Pegando emprestado do verso de Machado de Assis, pergunto: "Mudou Lisboa ou mudei eu"?

Há 24 anos eu já tinha uma fome de conhecer o mundo, que se já é difícil de saciar hoje, imagine naquela época. E na minha fantasia de viajante de então, Europa para mim significava... Paris. Tudo que se colocava no meu caminho para a capital francesa, inclusive Lisboa, era um mero obstáculo a ser driblado.

Assim, nessa mesma viagem, ainda tive de "amargar" Munique, Bruxelas, Genebra, e até mesmo algumas cidades do interior da Itália e da própria França até chegar a Paris. O deslumbramento des- se primeiro encontro, prometo contar aqui em breve. Mas, ironicamente, uso hoje a cidade como escala para falar de Lisboa.

Depois desse "pontapé inicial", só voltei à capital portuguesa em 1998, quando então usei Lisboa como base para uma série de reportagens que fiz nos países onde se fala o português. E encontrei uma cidade totalmente diferente. Se aos 16 anos eu talvez tenha registrado Lisboa apenas por sua notória melancolia, aos 34 vi que o povo de lá tem o dom mágico de reinventar a sua tristeza. E com isso fazer de Lisboa uma cidade linda, profunda, romântica, poética --e, para usar uma das expressões de lá que mais adoro, "se calhar" até vibrante.

No final dos anos 90, existia um enorme esforço de não apenas reinventar Lisboa, mas todo Portugal. A Expo 98 (Exposição Internacional de Lisboa) celebrava a época de ouro dos descobrimentos portugueses e apontava para um futuro promissor. "De facto", sem vislumbrar a crise que assombraria a Europa neste início do século 21, Portugal parecia ter o potencial de construir uma ponte perfeita entre passado e futuro.

O complicado cenário que o continente enfrentou nos últimos anos não permitiu que tal promessa se cumprisse por inteiro. Mas seria injustiça não notar que a beleza incomparável do fado tradicional ganhou uma nova geração de vozes. Ou que os contornos fantásticos da cidade inspirou novos e brilhantes nomes da arquitetura. De lá para cá, vi lá incríveis espetáculos de teatro e dança --e fui aos poucos experimentando a renovação da culinária portuguesa. Mas, sobretudo, construí fortes laços de amizade com os "tugas" --como eles mesmos às vezes se chamam carinhosamente.

Desta vez, fiz novos programas e refiz tudo o que sempre faço, mas com um prazer sempre renovado. Fui comer no 100 Maneiras, revisitei o Palácio da Pena (Sintra), conheci pessoalmente mais um ídolo que tenho da canção portuguesa (António Zambujo), descobri os sabores do Cantinho do Avillez e tomei --graças à generosidade de meu amigo Pedro, da Garrafeira Alfaia-- um Barca Velha de 2000 na companhia de outros amigos que estavam ali tendo a mesma experiência de prazer nessa cidade que eu adoro.

E que, invertendo o lindíssimo fado que lá ouvi certa vez (com o verso "choro por tudo e por nada"), é capaz de me fazer rir por tudo e por nada.


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