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Turismo

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J. P. Cuenca

"Flâneur" de passeata

Quando encontro uma manifestação ao viajar, costumo adiar meus planos e seguir o protesto

Ao contrário do que recomendam guias turísticos e embaixadas, quando encontro uma manifestação ao viajar, costumo adiar meus planos para o dia e segui-la. Enquanto não abro uma agência de turismo de protesto, relato algumas experiências.

PARIS - Em 2006, o governo francês votou e aprovou a CPE (Contrato do Primeiro Emprego) que tornava mais fácil demitir sem justa causa um jovem trabalhador. Até que o presidente Jacques Chirac revogasse a lei em abril, o que se viu nas ruas de Paris foram os maiores protestos desde maio de 1968. Cerca de 4.500 pessoas foram presas e as praças onde as passeatas terminavam muitas vezes transformavam-se em cenários de batalha.

Cheguei a Paris em primeiro de março daquele ano. Vi manifestações que pareciam festivais de música, desfiles em clima de Carnaval. E, depois, confrontos com a polícia, carros virados em chamas no Boulevard Saint Germain. Atravessei vidraças rompidas na Place de la Nation, subi em pirâmides de livros dentro da livraria destruída da Place de la Sorbonne. Apesar da destruição, durante esses meses a imprensa e a sociedade francesa jamais deixaram de colocar no centro do debate público o que estava em jogo: a lei do primeiro emprego.

Numa daquelas belas tardes de primavera em Paris, os policiais outra vez avançaram contra a multidão pacífica. Ao lado dos cineminhas da Rue des Écoles, percebi que um soldado se esgueirava por trás da linha de frente da polícia, cochichando no ouvido de cada um dos homens de azul. Eles recolocaram as máscaras de gás, um agouro sinistro para os poucos que percebiam a ação. Depois a nuvem rançosa tomou o céu e os extremos da rua. Os manifestantes corriam e choravam --alguns vomitaram suas ideias ali mesmo, pelas calçadas.

Corri até o Collège de France onde fiquei sitiado por umas seis horas, ao lado das estudantes de ciências sociais mais bonitas do mundo. Uma delas me ofereceu um pano com vinagre e a mão esquerda.

ISTAMBUL - As manifestações ao redor da praça Taksim na capital da Turquia contra o governo autoritário do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan serão lembradas pelos brasileiros não apenas como contemporâneas aos nossos protestos de 2013. São muitas as semelhanças.

Em junho, fui ao protesto convocado para lembrar os mortos nos últimos meses --foram arremessadas flores aos policiais e muitos apontavam espelhos para eles. Tudo corria na santa paz das cantorias e palmas quando às 18h uma mensagem foi emitida por caixas de som. Uma voz monocórdica de mulher ordenava que saíssemos da praça. Num ritual ensaiado, a polícia começou a avançar com cassetetes, tiros de efeito moral e gás lacrimogêneo.

Corremos e corremos mais. Uma hora mais tarde, estávamos num restaurante e começamos a sentir cheiro de gás. Mulheres e crianças aos prantos refugiaram-se lá. De novo, fugimos e fomos beber cerveja numa área boêmia de Beyo?lu. A polícia logo transformou a rua de bares e gente jantando num campo de guerra. Numa daquelas tardes, falei sobre o protesto na TV e suas semelhanças com o que estava acontecendo no Brasil. Tive que ouvir de um comentarista que a polícia brasileira vai aos protestos para proteger os manifestantes. Nada pode ser mais errado: cá como lá, é a polícia que costuma inaugurar a violência em protestos --um traço de autoritarismo que iguala Dilma a Erdogan.


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