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J. P. Cuenca

Duas salas de museu

Obra de Turrell no MoMA PS1 pode passar despercebida, mas é o meu lugar preferido para ver o céu no mundo

Uma pessoa é também uma sala em que se entra --às vezes para sair com a esperança de um dia encontrar a porta aberta. A metáfora é ruim, mas não por acaso divórcios acabam em mudança. Aqui, duas salas de museu que sempre vão me fazer lembrar de você:

Cy Twombly, em Munique -- O Museu Brandhorst abriga a maior coleção do artista norte-americano fora dos Estados Unidos --são mais de 170 obras. No térreo há trabalhos de Andy Warhol, Gerhard Richter, Bruce Nauman e Damien Hirst, mas são as monumentais galerias dedicadas a Twombly no segundo andar as que valem o passeio.

Depois de um salão com as louconas e grandiosas flores de Twombly, há um octógono irregular criado especialmente para abrigar uma série pintada para a Bienal de Veneza de 2001: "Lepanto". São 12 pinturas que narram a batalha ocorrida no golfo de mesmo nome no dia 7 de outubro de 1571, entre o Império Otomano e a Liga Santa --coalizão cristã formada por Espanha, Veneza e Estados Pontifícios.

A batalha marcou o fim da expansão islâmica no Mediterrâneo e seus vencedores contaram a história por meio de pinturas figurativas (Tintoretto, Veronese, Cambiaso) com as quais a obra de Twombly dialoga. Se a história da humanidade é decidida em dias como esse, tudo na construção pictórica de Twombly parece igualmente decisivo. Ao parar no meio da catedral branca sugerida pela sala, a impressão é a de que ouvimos os gritos, o som do naufrágio e da madeira destruída pelo incêndio. O pintor americano consegue representar o reflexo das chamas na água e seu movimento com uma pintura que alguns chamam de precária e até rupestre.

Moderno e ancestral ao mesmo tempo, Twombly une vazios e elipses na tela com um temperamento mercurial nos traços. E aqui há o vermelho, amarelo, azul, turquesa.

James Turrell no MoMA PS1 -- Num dos corredores do prédio, no Queens, há uma porta que costuma passar desapercebida para a maioria dos visitantes. Quando a abrimos, encontramos um cômodo quadrado e vazio com um corte quadrangular no teto e um banco de madeira que cobre parte das paredes.

Há muita gente que entra e sai da sala imediatamente, pensando encontrar uma área de serviço ou um fumódromo. Trata-se de "Meeting", um dos "skyspaces" do artista que está no museu desde 1986. Não tem topo de morro, teleférico ou arranha-céu que se compare: aquele é o meu lugar preferido de observação do céu no mundo.

A mistura do azul natural com as sutis luzes artificiais de Turrell e o recorte geométrico do teto criam um jogo de percepção de luz e espaço que, somado ao movimento das nuvens, desloca o lugar. O quarto se desprende do prédio, e nós com ele. O efeito é diferente da última mostra individual do artista americano no Guggenheim, quando ele fechou a rotunda do museu com uma série iluminada de elipses circuncêntricas. O ambiente controlado do museu é trocado pela abertura imprevisível ao céu --a cada dia, "Meeting" é uma obra diferente.

O quarto de Turrell no Queens recorda certas culturas que, por razões de higiene ou religião, botam abaixo o teto do quarto do morto antes do velório a ser feito ali mesmo. Aqui há também algo de casa demolida, com a passagem do tempo marcada pela silhueta da sombra na parede, alterando a proporção e a geometria do lugar a depender da hora.

Mas nada disso será fúnebre enquanto o cubo de cinco paredes apontar para cima.


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