Executivos e Empreendedores

Cargos de confiança são porta para entrar no governo sem concurso

Eles gerenciam orçamentos milionários, coordenam equipes em várias regiões e seus clientes são os eleitores, capazes de "ejetar" a equipe deles inteira apertando um botão –o da urna eletrônica. São os executivos públicos, funcionários sem concurso que ocupam cargos de direção em prefeituras, secretarias e empresas ligadas ao Estado. Sempre que o governante muda, boa parte deles acaba saindo junto e, com isso, abrem-se vagas para novos gestores assumirem os postos.

Para Gesner Oliveira, 58, que já presidiu a Sabesp e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), trabalhar no governo permite lidar com temas de grande impacto para a sociedade, como mudanças capazes de alterar todo um setor da economia ou tocar obras de grande porte. "Dificilmente você encontra questões dessa ordem numa empresa, mesmo multinacional. Na Sabesp, eram R$ 2 bilhões em investimentos para aplicar em intervenções como novos sistemas de fornecimento de água", aponta.

E esses cargos, de modo geral, podem ser ocupados sem concurso, por meio de nomeação. Assim, quem se preparar de forma adequada pode chegar a um posto no governo sem passar pela peneira das provas.

Rafael Lisboa, 27, conseguiu um emprego graças a sua formação e aos contatos. Enquanto estudava gestão pública na USP, fez estágio em uma consultoria que atende a governos e, depois de formado, foi indicado por um professor para trabalhar na Secretaria de Educação de Goiás como chefe de núcleo, seu cargo atual. No emprego anterior, Lisboa já tinha viajado a trabalho para diversos outros Estados. "Se sair daqui, penso em tentar algo no Nordeste ou no Sul", planeja.

revista sãopaulo/revista sãopaulo

Mirar os postos de comando também é uma forma de evitar a acomodação que ainda marca o serviço público, na qual poucos órgãos oferecem planos de carreira para os concursados, especialmente nas prefeituras. Estados como Minas Gerais e São Paulo têm iniciativas do tipo.

"Muitos formados que prestam concurso estão satisfeitos com a estabilidade, mas muito insatisfeitos com as tarefas que fazem no dia a dia", avalia Fernando Coelho, professor de Gestão Pública na USP.

"As pessoas precisam saber contornar as amarras da burocracia para poder demonstrar seu trabalho e crescer", recomenda o professor.

PRÓS E CONTRAS

Para chegar ao topo da carreira pública, o profissional precisa conhecer a fundo as leis e as regras do meio, que determinam tudo o que pode e não pode ser feito no dia a dia. Órgãos de controle como o Tribunal de Contas e o Ministério Público escrutinam diariamente os gastos em busca de irregularidades e podem aplicar multas e abrir processo contra gestores pouco responsáveis com as finanças.

O excesso de regras é apontado como razão para a demora em implantar projetos, uma das principais queixas dos executivos públicos. "Até para comprar uma borracha ou um quadro para a sua sala é preciso fazer licitação, processo que pode durar de seis meses a um ano", reclama Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral. Quando era subsecretário estadual de Planejamento do Rio de Janeiro, ele tentou adquirir um sistema informatizado para gerir o orçamento. A contratação levou quase três anos para ser concluída.

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A maior parte dos livros voltados à gestão pública trata de legislação e contratos, o que faz com que preceitos da administração privada sejam adaptados à realidade estatal na medida do possível. "A imensa maioria das pessoas aprende no modo de tentativa e erro", acredita Mauro Pascarelli Filho, coordenador do curso de gerente de cidade da Faap.

Os cursos de especialização e pós-graduação em políticas públicas ajudam a entender o funcionamento do Estado e também a fazer contatos. "Os que mais procuram a formação são secretários e diretores de departamento", aponta Pascarelli, que já deu aulas para candidatos e prefeitos de cidades como Taubaté e Mogi das Cruzes.

A relação com os políticos também precisa de cuidado, já que os governantes tomem decisões de cunho populista ou eleitoreiro. "Muitas vezes, os dados mostravam que algo era impossível, mas tinha que ser feito porque era demanda política", lembra Paulo Silvino, 32, sociólogo, sobre sua passagem por uma prefeitura da Grande São Paulo (que ele prefere não revelar qual é).

Quanto mais alto o nível do cargo, mais frequente é o contato com políticos, tanto dos chefes do executivo quanto de deputados e vereadores. Enquanto alguns fazem cobranças para que o trabalho ande, outros buscam prioridade para suas bases eleitorais, entre outros favores.

"O gestor precisa entender a importância do processo eleitoral e não se colocar como concorrente dos políticos", diz o professor Fernando Coelho, da USP.

A realidade política também faz com que muitos projetos precisem ser adequados ao calendário eleitoral, que trabalha com intervalos de quatro anos. "Por mais que o governo continue no poder, ocorrem mudanças na gestão e não há continuidade. Só políticas bem enraizadas se mantêm", lamenta Rafael Lisboa.

Também é preciso desviar de propostas indecentes. "Pessoas podem oferecer cargos e sugerir acordos tentadores para cooptar funcionários para partidos", alerta Paulo Silvino, que dá aulas na Fundação Escola de Sociologia e Política.

A exigência de experiência técnica tem ganhado espaço em comparação ao apadrinhamento político, que ainda é a regra, segundo especialistas ouvidos pela sãopaulo.

De acordo com Fernando Coelho, da USP, cerca de 70 dos seus 80 alunos no curso de gestão pública que foram contratados sem concurso pela Prefeitura de São Paulo não são vinculados a partidos. Parte deles foi efetivada pelos órgãos nos quais fizeram estágio "Cada vez mais, a legitimidade dos políticos depende de resultados. Assim, fica claro que os cargos de confiança não podem ser ocupados por pessoas sem competência", analisa Coelho.

No início de seu mandato, o prefeito Fernando Haddad (PT) nomeou apenas funcionários de perfil técnico para comandar as subprefeituras, mas recuou nos últimos meses. Porém, ao menos seis deles foram trocados por nomes indicados por partidos aliados, como parte da negociação para aprovar o Plano Diretor Estratégico.

EQUIPES

Uma dificuldade dos gerentes é montar suas equipes como gostariam. Os concursos públicos levam meses para serem realizados e são conduzidos por órgãos externos. Para demitir um funcionário que não rende, é igualmente trabalhoso. As falhas precisam ser graves para que a exoneração não seja revertida pela Justiça.

Sem medo da demissão, é comum que empregados que não concordam com mudanças em seu trabalho hesitem em seguir as ordens vindas de cima. "A 'maldita' estabilidade é o grande entrave para que a administração pública se profissionalize", defende Pascarelli, da Faap.

Vale ressaltar que a estabilidade não se estende aos cargos de confiança. Para as funções ocupadas sem concurso, a incerteza é maior ainda. As dúvidas sobre o futuro fizeram com que Carolina Bertolucci, 27, deixasse um cargo comissionado de gestora na Prefeitura de São Paulo e fosse trabalhar em uma consultoria, há quatro anos. "Ao sair, consegui maior realização profissional, porém trabalhar para o cidadão me dava mas satisfação pessoal", compara. "Mas só volto ao setor público se for por concurso e para ganhar acima de R$ 10 mil."

No serviço público, os salários são elevados no começo, porém tendem a subir menos ao longo dos anos. No mundo privado, a variação é elástica: funções básicas pagam pouco, mas não há teto para a remuneração dos presidentes.

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