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Ideia de que realidade seria simulação gera controvérsia entre físicos

Professor da UFMG diz que hipótese de americano é 'altamente implausível'; docente de universidade dos EUA vê 'ato de desespero'

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Ramana Rech
São Paulo

Uma hipótese de que a realidade é construída a partir da nossa consciência —basta lembrar do filme "Matrix"— gera controvérsia entre estudiosos da física quântica. Para eles, a ideia defendida pelo físico americano Thomas Campbell mistura ciência com metafísica e filosofia.

Para explicar seu pensamento, Campbell usa uma comparação com um videogame, em que o jogo é projetado conforme o jogador avança. Para economizar a "memória" desse sistema com recursos finitos, a realidade surgiria apenas a partir da "procura" dos jogadores. Basta lembrar, como referência, do filme "Matrix".

Em 2017, o físico e mais três colaboradores publicaram na revista International Journal of Quantum Foundations uma proposta de uma série de experimentos dedicados a testar a hipótese da simulação. Em um site voltado a discutir o tema, e também para pedir doações para financiar o teste da hipótese, é dito que foram arrecadados US$ 236 mil para o projeto (R$ 1,3 milhão) —essa atualização é de 2018.

Cena do filme 'Matrix', de 1999; ponto de vista de Neo, interpretado por Keanu Reeves, em um corredor com agentes ao fundo - Divulgação

A física quântica surgiu no século passado para descrever o comportamento dual do mundo dos átomos, elétrons e fótons, que se comportam como partícula, mas também como onda.

O típico experimento da fenda dupla demonstra essa dualidade. Nele, um feixe de luz chega até uma tela, onde os fótons deixam uma espécie de ponto. No caminho há uma placa opaca com duas fendas por onde os fótons –partículas que compõem a luz– podem passar.

Um mesmo fóton sempre vai atravessar uma fenda ou outra, o que condiz com um comportamento de uma partícula. Mas, quando o feixe de luz atravessa as fendas e chega à tela, em alguns lugares caem muitos fótons e em outros, poucos. Isso mostra que existe um padrão de interferência, em que há alternância entre regiões a que chegam muita luz e outras que a luz mal alcança. Esse é um comportamento típico das ondas. O mesmo ocorre, por exemplo, quando duas ondas se formam na água. Quando se encontram, as oscilações geradas por essas ondas podem se reforçar ou se anular.

No experimento da fenda dupla, o comportamento do fóton como partícula ou onda depende se houve detecção do trajeto ou não por um equipamento ou por um ser humano. Quando o trajeto do fóton é observado —ou seja, detectado—, ele condiz com o de uma partícula e estará do lado de uma ou de outra fenda. No entanto, se não for observado, surgirá um padrão de interferência —leia-se, comportamento de onda.

Quando o trajeto dos fótons (partículas que compõem a luz) não é detectado, eles se comportam como onda e dão origem ao 'padrão de interferência', ou seja, uma alternância entre regiões bem iluminadas (que receberam muitos fótons) e pouco iluminadas (que receberam poucos fótons) - Designua/Adobe Stock

Um século de pesquisa depois ainda não se sabe o porquê dessa mudança de comportamento. "A gente não tem no mundo macroscópico nada que se comporte dessa maneira", explica o professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Pablo Lima Saldanha.

Campbell tenta dar um passo a mais para entender a realidade. Para ele, a presença de uma consciência determina se o comportamento do mundo microscópico será de partícula ou onda. E, para testar isso, a equipe do físico americano quer justamente fazer um experimento nos moldes da fenda dupla, monitorando o trajeto dos fótons e destruindo parte dos dados —simplesmente deletá-los, sugerem os autores, seria o equivalente a dizer que nunca foram detectados, em outras palavras, tinham comportamento de onda.

Porém, na avaliação de Saldanha, o que Campbell busca violaria as regras da mecânica quântica, cuja matemática previu os resultados dos experimentos de forma correta desde a sua criação. Ele considera a hipótese defendida pelo americano "altamente implausível" e afirma que, se testada, vai apresentar resultados inconclusivos.

O professor diz que a destruição da memória é irrelevante porque a natureza registrou a informação da passagem dos fótons —por exemplo, o dispositivo se aqueceu ao registrar a passagem. Por isso, não surgiria um padrão de interferência.

Acacio de Barros, professor na Universidade Estadual de São Francisco (EUA), vê a proposta de Campbell com ceticismo. Para ele, "ninguém entende realmente de mecânica quântica". Por isso, às vezes, o que se tem é um "ato de desespero" para tentar compreender algo tão enigmático.

Idealismo metafísico

O professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Augusto César Lobo explica que Campbell segue uma linha de idealismo metafísico. Enquanto os materialistas pensam que o mundo pode ser explicado apenas por átomos e moléculas, Campbell acredita que consciência é primordial.

Apesar de o americano trazer uma postura filosófica, para a qual alguns pesquisadores podem torcer o nariz, o professor da UFOP considera importante observar os resultados das pesquisas experimentais quando saírem. "Acho que não existe na história da física nada parecido com isso [mecânica quântica] no sentido de ter tantas opiniões diferentes", analisa.

A mecânica quântica suscita a imaginação e diferentes formas de interpretar o mundo. Há outras hipóteses que também associam ao comportamento dual do mundo microscópico com a consciência.

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