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Atriz e roteirista, autora de “Fim” e “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”.

Descrição de chapéu

A Copa do Mundo é um harém de divos com cabelos variados

Livre entre seus pares, a homarada se pinta e borda para a guerra, com moicanos, dreads, degradês e tons dourados

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A combinação de fim de ano com Copa do Mundo em horário comercial tem me feito driblar as exigências do dia, para conferir até as peladas da seleção do Qatar. E como nem tudo em campo é bola corrida, a atenção vagueia pelos detalhes.

A diversidade capilar no gramado é grande. Dreads e moicanos rivalizam com sobrancelhas navalhadas e louros radicais. Mas sempre existe o espírito do tempo e, dessa vez, ele se consumou na eliminação sumária das costeletas. A tendência, me disse um filho, se chama corte na régua em degradê. É reco militar, só que da nuca até quase um palmo acima da orelha.

A metade inferior da cabeça raspada, acompanhada de coroa hirsuta, com fios ao gosto do freguês, é "must" no torneio. Muitos, à la Gardel, gomalinam o topete; outros cultivam o capim alto, espetando as extremidades com gel. O gel é recorrente na Copa. E há o modelo suíço Embolo, com nós no cume. Para uma pegada punk, avança-se com a navalha pelos dois lados do coco, formando a crista peluda, à maneira de Vinicius Junior.

Ilustração de Marta Mello para a coluna da Fernanda Torres - Marta Mello

Que os canarinhos viajam com um colorista na delegação, isso não resta dúvida. Tite deveria oficializá-lo, ou "zá-la", ou "zê-lo", não sei a identidade de gênero do artiste. Seja lá qual for, senti unidade no alourado do time, com intervenções pontuais, sempre na mesma tonalidade ouro.

Anthony e Richarlison deram uma geral de Blondor, enquanto os do meio de campo mantém o tom escuro até a linha do cerebelo, seguido de amarelo reluzente no cocuruto. Depois do quatro a um na Coreia, Neymar tem que segurar o dourado viking.

Emerson Fittipaldi deve estar de luto, porque de Raphinha a Casemiro, passando pelo tradicional Messi e Mbape, todos limaram de vez as laterais. As costeletas perdem de goleada na Copa 2022. No Argentina x Austrália, Lionel Sacloni me pareceu algo passado, era o par de costeletas que, apesar de discretas, davam um ar demodê ao estrategista hermano.

O abismo geracional é claro, pode checar no VAR. Os de 20 criam as aurículas soltas, enquanto os de mais de 30, ou as emolduram com a velha costeletinha, ou ostentam lustrosas carecas. Zidane fez história, Daniel Alves que o diga. A calvície deixou de ser motivo de vergonha, para se tornar fetiche da maturidade.

Sinal de experiência, autoridade e poder, a calva domina a tribuna e o apito. Gianni Infantino, presidente da Fifa, é exemplo de calvície ostentação. Na arbitragem, confesso que é nos carecas que eu confio mais.

Os cabeludos sumiram até da Argentina, fértil em Rapunzéis. Nas comissões técnicas, destaco três raras jubas sêniores: a de Tite, acinzentada com entradas fundas, que aliada à altura e ao falar filosófico recheado de frases obscuras, como "a bola fala", confere ao treinador uma presença heráldica; a de Aliou Cissé, treinador do Senegal, que esteve elegantíssimo no estilo rastaman de boné; e a crina Vidal Sasson do übermetrossexualcelta Hervé Rennard.

Eu tenho pudor de admitir que um francês atochado numa camisa social branco total radiante, dono de um costado de dois metros de largura, queixo duplo carpado e uma cabelada de príncipe do Shrek tenha me impressionado. No intervalo do combate com a Argentina, Rennard espinafrou os sauditas com um piti flamboyant. É verdade que a bronca levou o time à vitória, mesmo assim, na atual situação, se impactar com um macho alfa caucasiano incomoda.

Mas eu estou perdoada porque até o New York Times dedicou um parágrafo ao Rennard, comparando-o a um vilão de James Bond. Prefiro vê-lo como a reencarnação de um defensor das minorias, Vercingetórix, líder da resistência gaulesa, durante a invasão do império romano, em 58 a.C. Quem cresceu lendo "Asterix" vai se recordar da rendição do herói no volume um da HQ, depositando as armas aos pés de Júlio César. Rennard é puro Urdezo.

A Copa do Mundo é um harém de divos. Livre entre seus pares, a homarada se pinta e borda para a guerra. Encerro, no entanto, com um elogio às flores, destacando a participação do segundo sexo nas mesas redondas, que fizeram muito bem aos canais de esporte. Me amarro na Mariana Fontes. Cito também o primeiro trio de arbitragem feminino, em 92 anos do campeonato, na partida Alemanha x Costa Rica; e a primeira mulher a narrar um jogo do Mundial em TV aberta, Renata Silveira.

Quem sabe, um dia, a prafrentex Dinamarca não lança uma técnica destemida o bastante para fugir da escova, do coque e do rabo de cavalo, arriscando um penteado valquíria no comando da seleção?

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