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Nos últimos meses, a narrativa de uma suposta recuperação da situação na Venezuela ganhou impulso.
Nicolás Maduro e seus colaboradores, incluindo aliados nacionais e internacionais, assim como a mídia, começaram a difundir a ideia de que as condições no país estão melhorando e que os venezuelanos estão começando a retornar.
Isso apesar dos avisos de vários organismos internacionais e organizações da sociedade civil de que as causas que provocaram a complexa emergência humanitária ainda permanecem.
Apesar disso, a promoção dessa narrativa tem continuado e, em alguns casos, é confundida com outras tentativas de normalizar o regime político atual.
Contudo, é importante contrastar estas visões com a realidade.
As dimensões do colapso econômico e suas consequências sociais
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de 2013 a 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) venezuelano sofreu uma redução de mais de 80%.
Segundo a mesma organização, a Venezuela fechou 2021 com um PIB per capita médio de US$ 1.685, o valor mais baixo entre os países do continente americano.
Essa realidade foi a consequência de quase duas décadas de políticas erráticas como o controle de preços de produtos e serviços, gastos públicos excessivos, nacionalização de uma centena de empresas e controles cambiais sobre moeda estrangeira.
Além disso, devem ser considerados os escandalosos casos de corrupção, o colapso da indústria petrolífera devido à péssima gestão da estatal PDVSA e, a partir de 2019, a imposição de sanções setoriais.
Durante o mesmo período, a economia nacional experimentou um dos mais longos ciclos de hiperinflação da história, destruindo o valor do bolívar e da poupança familiar.
Complicando ainda mais a situação, um colapso geral dos serviços públicos ocorreu naqueles anos.
Como resultado, de acordo com a pesquisa Encovi, de 2013 a 2021 a taxa de pobreza de renda aumentou rapidamente para mais de 90%. Em 2019, a dramática situação levou a chefe de direitos humanos da ONU a descrever a situação como uma emergência humanitária complexa.
A crise humanitária tem causado danos irreparáveis à sociedade como um todo, como mostram os casos documentados relatados nos últimos anos.
Em 2020, o Programa Mundial de Alimentação classificou a Venezuela como o quarto país do mundo com a maior proporção da população em situação de insegurança alimentar aguda (9,3 milhões de venezuelanos, o equivalente a 32% da população).
Além disso, mais de 6 milhões de pessoas deixaram o país, provocando a maior crise migratória já vista nas Américas.
A resposta do governo foi negar a crise, prolongar as decisões políticas que causaram o colapso econômico, culpar outros e virar as costas para uma população desesperada para sobreviver.
A partir de 2018, em um reconhecimento implícito do fracasso das políticas econômicas, Maduro levantou controles de preços e tarifas sobre a importação de alimentos e outros produtos, permitiu que produtos e serviços fossem transacionados em moeda estrangeira, começou a recolher dinheiro inorgânico das ruas para controlar a hiperinflação e começou a oferecer empresas expropriadas e falidas a seus antigos proprietários, a "boligurguesia" ou aliados internacionais.
Estabilização no fundo do poço?
No último trimestre de 2021, de acordo com os próprios dados do regime e estimativas de vários analistas, a economia venezuelana mostrou novamente sinais de crescimento. Desde o final do ano passado, a inflação também tem mostrado sinais de desaceleração.
Nesse novo contexto de desordenada liberalização econômica e no qual a segurança jurídica está condicionada à vontade do regime político, alguns setores econômicos começaram a dar sinais de recuperação parcial, principalmente aqueles associados ao setor comercial e de serviços orientados para o consumo final.
Diferentes analistas concordam que a economia deve crescer a taxas de 5 a 20% em comparação com o tamanho do PIB nacional atual. Entretanto, eles também apontam que os setores que mostram sinais de recuperação são de pouca profundidade produtiva e de baixo valor agregado.
As amostras parciais de prosperidade no novo capitalismo de camaradagem também estão limitadas a uma pequena proporção da população com acesso a moeda estrangeira, aprofundando a exclusão da maioria dos cidadãos.
Segundo estimativas da empresa de consultoria Anova, em 2020 e 2021, enquanto a renda média da economia aumentou 65%, a renda dos 30% mais pobres da população caiu ou ficou estagnada.
Enquanto isso, o país tem sérios problemas estruturais que impedem sua recuperação e perpetuam o caminho de empobrecimento generalizado que começou em 2013.
A taxa de desemprego permanece em mais de 40%, equivalente a quase 9 milhões de pessoas em idade produtiva mas fora do mercado de trabalho.
Em julho, segundo cálculos da Cendas-FVM, o salário mínimo era de US$ 23,04 por mês, enquanto o custo da cesta básica é estimado em US$ 460.
Em 2022, a Venezuela foi excluída do relatório sobre insegurança alimentar aguda, apresentado pelo Programa Mundial de Alimentação e pela FAO, devido às dificuldades de acesso aos dados por parte dessas organizações.
Entretanto, de acordo com estimativas recentes da respeitável especialista em proteção e ajuda humanitária Susana Rafalli, de 10 a 11 milhões de venezuelanos têm necessidades humanitárias urgentes.
Nesse contexto, o fluxo migratório continua. De acordo com a última atualização da plataforma R4V, o número de venezuelanos no exterior é de 6,8 milhões de pessoas, e várias análises confirmam que mais venezuelanos estão saindo do que retornando.
Como mostra a evolução dos indicadores socioeconômicos, a situação atual na Venezuela está longe de ser uma recuperação. É difícil falar de estabilização, considerando as dimensões do colapso sofrido.
O que é certo é que a grande maioria da população ainda vive na pobreza, sendo que um terço dela está com fome.
Portanto, é necessário dizer que a narrativa de recuperação é irresponsável e não faz nada para encorajar a comunidade internacional a continuar apoiando os esforços para enfrentar a emergência humanitária dentro e fora da Venezuela.
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