Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Como pagar a conta da reconstrução do Rio Grande do Sul

Números divulgados até agora não têm sentido; refazer o estado exige um plano diferente

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O Rio Grande do Sul precisa de pelo menos R$ 19 bilhões para a reconstrução, diz Eduardo Leite (PSDB), governador do estado. O governo federal afirma que adotou medidas com "impacto de R$ 50,945 bilhões". Há por aí estimativas de que o estado precisaria de mais de R$ 90 bilhões —contas de guardanapo.

Esses números não têm significado algum, até porque ninguém tem ideia do tamanho das perdas ou de como deve ser a reconstrução. O "como" é muito importante.

Imagem aérea mostra ruas alagadas em área residencial de cidade
Enchente no Rio Grando do Sul - Gustavo Ghisleni 10.mai.24/AFP

É fácil perceber a incongruência e a falta de significado dos números. Com os R$ 50 bilhões federais se pagam os R$ 19 bilhões gaúchos? Claro que não.

Do pacote federal, até R$ 35 bilhões podem ser aumento de crédito privado para pequenas empresas e agricultores. O governo federal vai colocar mais dinheiro nos fundos que cobrem perdas (calote) desses empréstimos bancários, o que pode facilitar empréstimos e torna-los mais interessantes. Parte desse dinheiro pode ser a fundo perdido, pois. Ainda com juros salgados, embora menores que os da praça, são financiamentos com carência de dois ou três anos e prazos de pagamento de seis a dez anos.

A fim de diminuir taxas de juros de algumas dessas linhas, o governo federal vai também doar até R$ 2 bilhões.

Mas não dá para estimar quanto dinheiro virá daí, de resto dirigido apenas para empresas.

Parte do pacote federal é apenas antecipação de pagamentos devidos (abono, Bolsa Família etc.), extensão do seguro desemprego ou do prazo de pagamento de imposto. No fim das contas, o dinheiro a fundo perdido não chegaria a R$ 8 bilhões em até dez anos, se tanto.

Não quer dizer que o governo federal seja malévolo ou inepto. É difícil arrumar dinheiro, enviá-lo ao lugar certo e evitar que espertos peguem carona na catástrofe.

Para quais projetos deve ir qualquer dinheiro que se arrume para a reconstrução? Haverá critério de planejamento ambiental para liberar verba, seja a fundo perdido ou via crédito? Quem vai fazer os projetos técnicos?

Haverá planejamento econômico ou geográfico? Atividades decadentes, com retorno em baixa, deverão ter verba de reconstrução? Ou haverá algum incentivo e financiamento para renovação produtiva e relocalização?

Quem vai coordenar tudo isso? Instituições técnicas, em falta, ajudam a evitar bobagem; centralização, porém, ignora a criatividade e o conhecimento dos locais.

Por motivo de risco de vida, ambiental e econômico, não se pode reconstruir, sem mais. Parecem questões abstratas e frias, ainda mais quando se vê tanto sofrimento em carne viva. Sem pensar nisso, porém, vem besteira.

Quem vai pagar a reconstrução de infraestrutura (estrada, saneamento, energia), de escola e hospital? De quanto vai ser o auxílio emergencial para pessoas? Quanto dinheiro virá de crédito, quanto a fundo perdido? O dinheiro federal até agora não dá conta de nada disso (algo mais deve ser anunciado na semana que vem). De resto, não se sabe nem quanto dos bens privados têm seguro.

Leite quer deixar de pagar a dívida gaúcha com a União por dois anos. Daria uns R$ 3,5 bilhões por ano. Quer também outras autorizações para descumprir regras fiscais, mais duras com seu estado, um dos mais quebrados do país. Quer um fundo de financiamento subsidiado com recursos federais, como aqueles que beneficiam Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Os R$ 19 bilhões da estimativa inicial de Leite equivalem a uns 2,6% do PIB gaúcho. A receita do governo estadual foi de R$ 78 bilhões em 2023; R$ 4,7 bilhões foram para investimentos em obras e equipamentos, segundo o Tesouro Nacional.

Mesmo que os R$ 19 bilhões de Leite sejam apenas a conta do reparo da infraestrutura, não parece ser assim um dinheiro impossível, gasto em dois ou três anos, talvez em parte financiado por crédito mais barato de instituições multilaterais internacionais. Assistência social (auxílio) e obras de reconstrução podem acelerar o crescimento, de resto, pagando parte da conta. Isso se houver planejamento, projeto e eficiência no gasto da ajuda e reforma do Orçamento estadual.

O problema é que essa numeralha que aparece em manchetes não quer dizer nada.

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