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Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Em campanha de vacina, gestores da União Europeia se atrapalham como Pazuello

Espécie de federalismo truncado do bloco dificulta combate às crises econômicas e sanitárias

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A confusão em torno das recomendações sobre a vacina de Oxford/AstraZeneca obriga a União Europeia a repensar a sua campanha de vacinação. Dificilmente a meta oficial de 70% de cidadãos europeus imunizados até setembro de 2021 será cumprida. Enquanto isso, Boris Johnson e Joseph Biden prometem um verão libertador aos seus cidadãos.

Todos estão tentando entender como os gestores da UE, que nadam em diplomas e dinheiro, estão tendo um desempenho comparável ao do mais inepto ministro da história republicana brasileira, General Pazuello.

Frascos com doses de vacinas contra a Covid-19 diante da bandeira da União Europeia - Dado Ruvic - 19.mar.21/Reuters

Alguns erros parecem evidentes. Bruxelas, sovina e ingênua, levou um baile de Londres e Washington na corrida pelos acordos com a indústria farmacêutica. Movido pelo nacionalismo primário, Paris insistiu até o limite no fracassado projeto de “vacina francesa”. Para os suspeitos de costume, o vexame é só mais uma prova que as contradições do projeto europeu, uma espécie de federalismo truncado, dificultam o combate às crises econômicas e sanitárias. No fundo, eles querem proclamar, pela enésima vez, “o começo do fim da União Europeia”.

A realidade é mais complicada. A UE pode ser uma instituição opaca e ineficiente, mas ela oferece recursos simplesmente inalcançáveis à maioria dos países-membros. Do bloco de 27 nações, só meia dúzia teria condições de enfrentar a pandemia em total autonomia. Portugal, Grécia e afins estariam entregando rodovias e portos para chineses e indianos em troca de máscaras e vacinas.

Talvez o problema não esteja apenas na UE, sempre um alvo fácil, mas também na capacidade dos Estados em organizarem as suas respectivas sociedades. Desde a crise financeira de 2008, muitas potências-médias europeias, com exceção à Polônia e Hungria, que regrediram para regimes autoritários, são administradas por governos notavelmente frágeis. A Espanha vive sob a ameaça permanente de novas eleições, e a Bélgica passou dois anos sem maioria no Parlamento. A França, que não reelege um presidente desde Jacques Chirac, tem uma líder fascista praticamente qualificada para o segundo turno das próximas presidenciais.

Para compensar a falta de legitimidade, os políticos apelam para o velho gerencialismo. Emmanuel Macron entregou a campanha de imunização francesa a uma grande consultoria internacional. A Itália, pela segunda vez em dez anos, “chamou o Meirelles” e colocou o governo nas mãos de um banqueiro que nunca teve um voto na vida, Mario Draghi. Sintomaticamente, os movimentos antivacinas nesses países atravessam todo o espectro ideológico e a hesitação vacinal atinge níveis recordes: na França de Louis Pasteur, só 40% da população pretende ser imunizada.

A instabilidade da política nacional não pode ser imputada unicamente ao avanço da UE. Durante meio século, a social-democracia cresceu junto com o projeto de integração europeia. A principal diferença com a época atual é que individualidades como François Mitterand e Willy Brandt foram gradualmente substituídas por gestores medíocres, incapazes de articular os desafios europeus e as angústias locais. Se a crise atual expõe algo sobre a Europa, é o limite do culto aos tecnocratas.​

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