A imprensa na berlinda

Ameaças a jornalistas e dificuldades financeiras desafiam a mídia

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A semana foi marcada por dois episódios que merecem reflexão no mundo jornalístico. O primeiro foi internacional e político. O segundo foi nacional e econômico. De uma forma ou de outra, dão a dimensão dos desafios atuais.

Mais de 400 organizações de mídia dos Estados Unidos, de diferentes perfis, lançaram na quinta-feira (16), coordenadamente, editoriais em defesa da liberdade de imprensa.

Sempre que acuado, o presidente dos EUA, Donald Trump ataca a mídia. Além de definir reportagens factuais como fake news, começou a estimular ataques às empresas e aos profissionais de imprensa.

A iniciativa foi liderada pelo The Boston Globe, em resposta aos ataques do presidente, que trata os jornais e os jornalistas críticos a ele como inimigos públicos, acusando-o de conduzir uma constante agressão à imprensa livre.

“A grandeza da América depende do papel da imprensa livre de falar a verdade aos poderosos”, afirmou o jornal. “Rotular a imprensa como ‘inimiga do povo’ é tão antiamericano como perigoso para o pacto cívico que temos compartilhado por mais de dois séculos.”

A leitura de trechos selecionados de editoriais demonstram o espírito dos jornais país afora, dos maiores aos menores.

“Os verdadeiros inimigos do povo —e da democracia— são aqueles que tentam sufocar a verdade, vilanizando e demonizando o mensageiro. A resposta não pode ser o silêncio”, protestou, por exemplo, o The Desmoines Register, de Iowa.

A adesão se estendeu a associações, sindicatos, ONGs e ao Senado americano, que condenou por unanimidade os ataques de Trump e seus apoiadores e declarou que “a imprensa não é inimiga do povo”.

“Os esforços para minar sistematicamente a credibilidade da imprensa”, afirmou o Senado, são “um ataque às nossas instituições democráticas”.

A manifestação aconteceu horas depois da previsível reação de Trump à campanha nacional. Ele acusou as agências de notícias de “conluio” na investigação sobre a interferência russa na eleição americana e voltou a dizer que “a mídia fake news é o partido de oposição”.

Como escreveu o New York Times, criticar a mídia noticiosa —por subestimar ou exagerar nas histórias, por entender algo errado— está inteiramente certo. “Repórteres e editores são humanos e cometem erros. Corrigi-los é fundamental para o nosso trabalho. Mas insistir que verdades que você não gosta são ‘notícias falsas’ é perigoso para a força vital da democracia. E chamar jornalistas de ‘inimigo do povo’ é perigoso, ponto final.”

De acordo com pesquisa do Comitê de Proteção ao Jornalista, 2018 é o ano mais mortífero para jornalistas nos EUA desde que a organização começou a fazer os registros, em 1992. Além disso, desde 2017, 69 jornalistas enfrentaram ataques físicos (desde ser empurrado ou ter seu equipamento danificado até assaltos físicos mais sérios) e 37 foram presos.

No front brasileiro, casos de agressões se multiplicam. Ameaças aos jornalistas que entrevistaram o candidato a Presidência Jair Bolsonaro (PSL) e ao repórter Rogério Pagnan, da Folha, que escreveu texto sobre os últimos momentos da policial Juliane dos Santos Duarte (que comentei neste espaço na semana passada), demonstram o grau absurdo de violência a que chegamos, vinda tanto de quase anônimos nas redes sociais como até de deputados federais.

A notícia econômica de impacto foi o pedido de recuperação judicial do Grupo Abril, semanas depois de a família Civita se afastar da empresa e entregar sua gestão a uma consultoria de reestruturação.

Com dívidas superiores a R$ 1,6 bilhão, a Abril demitiu 800 pessoas (cerca de 150 jornalistas), mantendo ainda cerca de 3 mil funcionários, e conseguiu licença para sustar pagamentos de fornecedores por 60 dias até ajustar as contas.

É difícil separar má gestão da crise geral do segmento. A crise se espraia. A editora Escala também anunciou o fechamento de revistas populares como Tititi e Minha Novela.

Criada em 1950, com o lançamento da versão brasileira da revista Pato Donald, a editora Abril sobreviverá com apenas 16 títulos —entre eles, Veja, Exame e Claudia.

É inegável a importância da empresa no cenário jornalístico, independentemente de erros e acertos editoriais em sua história. Assusta que, nas redes sociais, tenha havido comemoração. Triste sinal dos tempos.

A notícia é lamentável em todos os aspectos: da redução da diversidade ao enxugamento do mercado de trabalho.

A imprensa está na berlinda. Se as pressões políticas no Brasil até agora são menos preocupantes, as econômicas podem se mostrar insuperáveis para o atual modelo de negócio.

Você, leitor, tem tudo a ver com isso. A qualidade, a independência e a relevância da notícia está em jogo. Os jornalistas devem continuar a fazer perguntas e a contar as histórias que, de outra forma, não se tornariam conhecidas.

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