'Chamar jornalistas de inimigo do povo é perigoso', diz NYT em crítica a Trump

Jornais dos EUA respondem a ataques de presidente aos veículos

Reuters

O New York Times participou nesta quinta-feira (16) de campanha com 350 jornais americanos para defender a liberdade de imprensa e responder a críticas do presidente Donald Trump contra os veículos de comunicação, chamados pelo republicano de inimigos do povo.

Cada jornal publicou um editorial sobre as declarações de Trump. Os textos refletem a opinião do conselho editorial das publicações sobre um tema e ficam separados das notícias.
 


O editorial do jornal The New York Times disse que é possível criticar a mídia por dar muita ou pouca atenção para determinadas histórias, ou por cometer erros.

“Repórteres e editores são humanos e cometem erros. Corrigi-los é central para o nosso trabalho”, afirmou. “Mas insistir que verdades que você não gosta são ‘notícias falsas’ é perigoso para a força vital da democracia. E chamar jornalistas de ‘inimigo do povo’ é perigoso, ponto.”

Nesta quinta (16), Trump disse que não há nada que deseja mais para os Estados Unidos do que uma verdadeira liberdade de imprensa.

“O fato é que a imprensa é livre para escrever e dizer qualquer coisa que quiser, mas muito do que diz são notícias falsas, impondo agendas políticas ou simplesmente tentando machucar as pessoas. A honestidade vence”, escreveu Trump no Twitter.

Os comentários do republicano refletem a opinião de parte dos conservadores que acredita que jornais e outros meios de comunicação distorcem, inventam e omitem fatos para prejudicá-los.

Nenhum representante da Casa Branca não foi encontrado para comentar os editoriais.

A iniciativa foi liderada pelo The Boston Globe. Em seu editorial, o jornal acusou Trump de conduzir uma “constante agressão à imprensa livre”.

“A grandeza da América depende do papel da imprensa livre de falar a verdade aos poderosos”, afirmou a publicação. “Rotular a imprensa como ‘inimiga do povo’ é tão antiamericano como perigoso para o pacto cívico que temos compartilhado por mais de dois séculos.”

A primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos garante a liberdade de imprensa.

Também no Twitter, Trump criticou o The Boston Globe. "O Boston Globe, que foi vendido para o fracassado New York Times por US$ 1,3 bilhão (além de US$ 800 milhões em perdas e investimentos), ou seja, US$ 2,1 bilhões, e depois, foi vendido pelo Times por US$ 1. Agora, o Boston Globe conspira com outros jornais por uma imprensa livre. Provem isso!".

O The Boston Globe foi vendido em 2013 por US$ 70 milhões para ao investidor americano John W. Henry,   menos de 10% do valor pelo qual o The New York Time havia pago 1993: US$ 1,1 bilhão.


Trump tem frequentemente criticado jornalistas e descrito reportagens que contradizem sua opinião ou posicionamentos políticos como notícias falsas.

Leia a íntegra do editorial do New York Times:

A imprensa livre precisa de você 

Em 1787, o ano em que foi adotada a constituição dos Estados Unidos, Thomas Jefferson escreveu, em uma famosa carta a um amigo, que “se me coubesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, eu não hesitaria por um momento em preferir o segundo”.

Era assim que ele se sentia antes de se tornar presidente, ao menos. Vinte anos mais tarde, depois de suportar o assédio da imprensa como ocupante da Casa Branca, ele estava menos seguro quanto ao seu valor: “Nada que se vê em um jornal hoje merece crédito”, escreveu. “A verdade mesma se torna suspeita por ser colocada em um veículo tão poluído”.

O desconforto de Jefferson era compreensível, e continua a sê-lo. Reportar notícias em uma sociedade aberta é uma empreitada eivada de conflitos. O desconforto dele também ilustra a necessidade do direito que ele ajudou a estabelecer. Como os fundadores dos Estados Unidos acreditavam, com base em suas próprias experiências, um público bem informado dispõe do melhor equipamento para erradicar a corrupção e, em longo prazo, promover a liberdade e a justiça.

“A discussão pública é um dever político”, afirmou a Corte Suprema dos Estados Unidos em 1964. Essa discussão deve ser “desinibida, robusta, e aberta”, e “bem pode incluir ataques veementes, cáusticos e às vezes desconfortavelmente aguçados contra o governo e contra autoridades”.

Em 2018, alguns dos ataques mais daninhos vêm sendo feitos por representantes do governo. Criticar a mídia noticiosa –por enfatizar demais ou de menos determinados assuntos, ou por cometer erros– é absolutamente certo. Os repórteres e editores de notícias são humanos e cometem erros. Corrigir esses erros é parte central de nosso trabalho. Mas insistir em que verdades de que você não gosta são “notícias falsas” é perigoso para a corrente sanguínea da democracia. E definir jornalistas como “inimigos do povo” é perigoso e ponto.

Esses ataques contra a imprensa são especialmente ameaçadores para jornalistas em países onde o estado de direito é menos seguro, e para as pequenas publicações dos Estados Unidos, que enfrentam a crise econômica do setor. E, no entanto, os jornalistas dessas publicações continuam a realizar o trabalho árduo de fazer perguntas e contar histórias que de outra forma o público não leria. Veja o caso do San Luis Obispo Tribune, que escreveu sobre a morte na cadeia de um detento que passou 46 horas agrilhoado. O relato forçou o condado a mudar a maneira pela qual trata os prisioneiros que sofrem de doenças mentais.

Respondendo ao apelo lançado pelo jornal Boston Globe na semana passada, o The New York Times está se unindo a centenas de jornais –de grandes diários metropolitanos a pequenos semanários locais– para lembrar os leitores do valor da imprensa livre dos Estados Unidos. Editorais como este representam, somados, a afirmação de uma instituição americana fundamental.

Se você ainda não o faz, por favor assine o seu jornal local. Elogie-o quando achar que fez um bom trabalho e critique-o quando achar que poderia ter feito melhor. Estamos todos juntos nisso.

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