O candidato a presidente Jair Bolsonaro tem mais semelhanças do que diferenças com o presidente norte-americano Donald Trump? A imprensa brasileira está repetindo erros da mídia americana? São perguntas que começam a ser respondidas com a oficialização das candidaturas e a intensificação da campanha eleitoral.
Para o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, existe o risco de o país cair na mesma armadilha em que os colegas americanos se enredaram e da qual ainda não conseguiram sair.
“Dar destaque aos disparates ofensivos e ultrajantes que o Bolsonaro fala e/ou insistir em falar sobre eles em todas as oportunidades reforça a sua imagem entre a base radical que o apoia e o coloca na agenda nacional.” A sorte do Brasil, continua Lins da Silva, é que o sistema eleitoral é menos bizarro do que o americano e impossibilita alguém sair vencedor de uma eleição presidencial com menos votos que um adversário.
São muitas as diferenças entre os dois países e entre o perfil e as ideias dos dois personagens.
Trump tem longa história de sucessos (e alguns fracassos) no mundo empresarial e nenhuma experiência política; Bolsonaro não tem história nenhuma de sucesso empresarial nem mesmo militar. É um político profissional, eleito sete vezes deputado federal, graças ao voto de nichos. O que realmente mais os aproxima é o dito desprezo pela mídia.
Na semana passada, os EUA assistiram a cenas que aumentaram as preocupações com Trump e seus aliados. Com os dedos médios da mão apontados para cima, uma pequena multidão de partidários do presidente gritava palavrões e palavras de ódio contra a imprensa. Foi a coroação de hostilidade nascida já na campanha e acirrada após Trump declarar a mídia como o pior inimigo do país.
Em ao menos um ponto o ambiente americano já serve de alerta para os brasileiros. Na segunda-feira, a participação de Bolsonaro no Roda Viva, da TV Cultura, despertou reações de seus apoiadores, que fizeram campanhas agressivas contra aqueles que questionaram o candidato no programa.
Os jornalistas se tornaram, de certa maneira, mais personagens do que o entrevistado. As redes sociais foram invadidas por comentários.
Havia manifestações civilizadas, que criticavam a insistência em se falar do passado do candidato do PSL sem abordar planos de governo, por exemplo. A percepção da falta de domínio de Bolsonaro de temas relevantes, como o desconhecimento sobre mortalidade infantil, foi marcante.
Circularam acusações de que a imprensa abusa do jocoso e é tendenciosa e preconceituosa, quando o tema é Bolsonaro. O mais alarmante, no entanto, foram o número e o nível de agressões de que os jornalistas se tornaram vítimas, alguns deles com ameaças abertas de violência física.
O pesquisador e jornalista Fabio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, calculou que, em cada dez retuítes, três foram favoráveis a Bolsonaro, e seis contrários. Ele analisou quase 230 mil perfis na rede social, que produziram 1,3 milhão de tuítes.
“Muito se questionou a bancada por trazer os velhos temas polêmicos do discurso de Bolsonaro. Mas esses temas mobilizaram muito os seus adversários, servindo de vetores para aglutinação desses perfis mais críticos, que dominaram a viralização”, analisou.
No proceder e nas linhas gerais da campanha de Bolsonaro, há uma calculada intenção de desqualificar o trabalho da imprensa.
O site oficial da candidatura, exibe a seção “A verdade”, cujo objetivo declarado é “esclarecer a opinião pública contra ações de alguns veículos de comunicação que insistem em distorcer as verdades dos fatos.” No Facebook, Bolsonaro estimula o comportamento violento ao postar vídeo em que equipe da TV Globo é perseguida, xingada e ameaçada.
Já manifestei à Redação a importância de a Folha estar atenta para não ridicularizar o candidato e seus seguidores, queixa constante de alguns leitores quando o tema é Bolsonaro. O jornal e os jornalistas não podem portar-se como adversários do candidato. Nem podem, no entanto, deixar-se intimidar.
O bom jornalismo exige abordagem crítica, inquirição incisiva e persistente, investigação criteriosa e profunda. Muitas perguntas precisam ser respondidas por Bolsonaro. O pior que pode acontecer é, por temor de represália ou por acomodação política, as redações abrirem mão do seu ímpeto questionador e investigativo ou o trocarem por ironia.
Como observou editorial do jornal The Guardian, contra notícias falsas e os políticos que dela se valem, a neutralidade não é uma opção. É preciso apontar de forma inequívoca e técnica as mentiras, as irrealidades e as falsas equivalências. Explicar porque Bolsonaro não é Trump é uma delas.
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