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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Ato falho de Bolsonaro ao chamar máscara de símbolo é retrato máximo de sua ignorância e irresponsabilidade

Presidente ignora a essência das estratégias de vacinação, que é a proteção coletiva

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É curioso perceber como o presidente da República, embora se regozije com a fama de machão, é meio banana na prática. Enquanto escrevo estas linhas, Bolsonaro já empreendeu mais uma de suas clássicas recuadas sobre a suposta orientação contra o uso de máscaras por pessoas vacinadas contra a Covid-19 ou que já tiveram a doença.

Esse episódio tragicômico, de qualquer modo, ilustra à perfeição como a condução desastrosa da pandemia no Brasil se alimenta de dois outros problemas centrais do bolsonarismo: a mania de tomar decisões na base da orelhada e a de colocar a ideologia acima de tudo. Fatos são mero detalhe.

Começando por esses pobres coitados, os fatos: é impressionante como não entra na cachola de granito do bolsonarismo a essência das estratégias da vacinação, que é a proteção coletiva. Vacinas, mesmo as melhores, não são perfeitas e nunca serão.

A variabilidade dos vírus, as características de cada vacina e as diferenças de resposta do sistema de defesa do organismo de pessoa para pessoa inevitavelmente fazem com que alguns indivíduos fiquem mais protegidos que outros quando recebem a imunização. E outras pessoas talvez nem possam ser vacinadas.

Isso significa que sempre será necessário alcançar um limiar populacional, uma massa crítica de vacinados, para que essa variabilidade individual possa ser engolida pela proteção coletiva. Quando tal limiar é atingido, os mais vulneráveis ficam debaixo do escudo formado pelos plenamente imunizados e a doença para de circular. (A lógica tem algo de militar, e imaginaríamos que ex-soldados fossem capazes de entendê-la, mas parece que o estudo de estratégia nas Agulhas Negras não era lá essas coisas nos anos 1970.)

Com apenas 14,6% da população adulta plenamente vacinada, o Brasil já chegou a esse limiar? A resposta é um retumbante não. O que vimos em países como Israel e os EUA – onde, é bom ressaltar, predominou o uso de vacinas mais eficazes que as nossas – é que o efeito de proteção coletiva só se instaura para valer com ao menos metade da população vacinada. Por aqui, talvez seja mais realista pensar em um número próximo de 70%.

Quanto aos nossos milhões de “recuperados” – eufemismo que, em muitos casos, deveria ser trocado por “sequelados” –, já está claro há vários meses que a Covid-19 não é como o sarampo ou a varíola. Em diversos casos, a infecção pelo vírus Sars-CoV-2 não confere imunidade por toda a vida.

Incentivar os “curados” a circular sem máscara, portanto, expõe esse grupo a novo risco de morte e aumenta a chance de que todos os que entrarem em contato com eles também se infectem. De quebra, incentiva a multiplicação de variantes do vírus, que podem muito bem acabar driblando a proteção que as vacinas oferecem hoje.

O mais revelador das declarações desastradas de Nosso Líder, porém, foi chamar as máscaras de “esse símbolo”. Para Bolsonaro, a proteção não passa de uma contrariedade simbólica ao seu voluntarismo machão, e não de algo que pode salvar vidas (como já está demonstrado).

A autossabotagem do raciocínio impressiona. A retomada da economia tão sonhada por ele poderia acontecer de forma segura se máscaras com elevado grau de proteção contra o vírus estivessem disponíveis para toda a população e fossem usadas corretamente (o que poderia ter sido implantado há muito tempo). Ainda assim, o presidente prefere minar a pouca proteção existente. Burrice abissal ou psicopatia? Seja lá qual for a opção verdadeira, que Deus tenha piedade desta nação.

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