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Aprovado em clima de guerra, projeto sobre maconha medicinal desagradou tanto direita quanto esquerda

Direita governista vê 'liberou geral', apesar de texto ser restritivo, e esquerda enxerga viés de mercado

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São Paulo

O projeto de lei 399, aprovado em comissão da Câmara nesta terça (8) e que regula cultivo e produção medicinal e industrial da cânabis no Brasil, foi demonizado pela direita governista, celebrado pela direita liberal e criticado pela esquerda, que encampou a proposta a partir da lógica da redução de danos: melhor isso do que nada.

Deixou ainda divididas as associações de pacientes, que comemoram a vitória antiproibicionista numa era de retrocessos em pautas progressistas ao mesmo tempo em que se ressentem da obrigatoriedade de adequação a parâmetros de cultivo e produção associativos criados pela lei.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já debochou dizendo que “engraçado, maconha pode, cloroquina não pode”, e a ala governista chamou o projeto de “liberou geral” e o acusou de “legalização” da maconha, apesar de o texto de 32 páginas estabelecer normas, restrições e controles para o cultivo de cânhamo para produção industrial (matéria-prima sem substância psicoativa destinada a cosméticos, alimentos, tecido etc.) e de medicamentos de ação comprovada cientificamente.

Funcionário manuseia cânabis na linha de produção da Bazelet, empresa israelense de maconha medicinal - Lalo de Almeida - 3.mar.20/Folhapress
Há evidências científicas robustas de que a maconha medicinal tem efeitos benéficos para tratamento de dores crônicas, sintomas da esclerose múltipla, náuseas e vômitos associados à quimioterapia e algumas formas de epilepsias graves. Nos Estados Unidos, o uso medicinal é liberado em 36 estados e no Distrito de Columbia, com registro dos pacientes e regras para cultivo, industrialização e comercialização, e em nenhum deles há clima de “liberou geral” ou explosão de uso.

Em Israel, os produtos feitos a partir da cânabis, mesmo a planta in natura, são padronizados e receitados por médicos. Empresas locais ganham dinheiro cultivando maconha, além de desenvolverem e exportarem remédios, oportunidades que o Brasil está perdendo.

Durante a sessão da comissão da Câmara, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) chegou a chamar a aprovação de “monstruosidade”. A postura negacionista de Terra no campo da política de drogas é anterior àquelas em relação a medicamentos sem comprovação científica para Covid-19.

Em sessões anteriores da comissão, o deputado Diego Garcia (Podemos-PR) se descontrolou e tentou agredir, aos berros, o presidente da comissão Paulo Teixeira (PT-SP). E Roberto Jefferson, do PTB, ameaçou de punição os deputados do partido que votassem a favor do PL 399.

Já o campo da esquerda criticou o que enxerga como orientação para o mercado e ausência de debates ligados à Justiça e aos direitos humanos. A leitura é de que, ao estabelecer regras e burocracias que só podem ser seguidas por empresas médias ou grandes, abre as portas do mercado brasileiro para gigantes canadenses e norte-americanas da maconha medicinal, além de empresas israelenses que despontam no setor.

O projeto regulamenta ainda a pesquisa científica sobre Cannabis no país, num avanço comemorado pela comunidade científica.

Não custa lembrar que o projeto de lei não liberou a maconha medicinal no Brasil. Desde 2015 o uso compassivo do canabidiol para fins terapêuticos é permitido no país. Em 2019 a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) regulamentou a venda de produtos à base de cânabis em farmácias, e em 2020 concedeu registro ao primeiro produto do tipo. Ainda que para a agência esses produtos não sejam remédios e sim fitofármacos, a compra depende de prescrição médica com receituário especial.

Só que, como o cultivo de maconha não é permitido no país, os medicamentos ou seus insumos têm que ser importados, resultando em maior custo para o paciente ou para o SUS e impedindo que a atividade gere lucros que fiquem no Brasil.

A demanda por medicamentos à base de Cannabis aumentou mais de 5 vezes nos últimos anos no país. Em 2015, eram 902 pedidos de autorização para importação. No primeiro semestre de 2019 chegaram a mais de 5.300.

A Lei de Drogas estabelece desde 2006 que a União pode autorizar o cultivo de maconha para fins medicinais e científicos, sem que esse passo tenha sido tomado. No Judiciário, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adi 5708), que pede a descriminalização da cânabis para fins medicinais, e um Recurso Extraordinário (RE 635659) sobre descriminalização do porte para uso pessoal estão emperrados no STF há anos.

Diante dessas omissões, é importante o passo dado pelo Legislativo a partir da criação da comissão, que fez avançar uma pauta sempre destinada à gaveta do Congresso.

No entanto, com todo o espectro político mais ou menos insatisfeito e o governo Bolsonaro posicionando-se categoricamente contra qualquer tipo de flexibilização que envolva a maconha, vê-se o tamanho do desafio que o Brasil terá para regulamentar um mercado nacional robusto de maconha medicinal, que ofereça aos pacientes remédios padronizados, seguros e principalmente acessíveis.

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