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Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Cultura, genética e política levam países pequenos a escolher modalidades olímpicas

Velocistas de ilhas do Caribe têm fibras musculares que geram energia de forma mais rápida

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São Paulo

No último sábado (3), a velocista Julien Alfred, 23, da pequena ilha caribenha de Santa Lúcia, venceu a prova dos 100 m rasos nos Jogos Olímpicos de Paris, superando as favoritas norte-americanas. Nesta terça (6), ela voltou ao pódio com a prata nos 200 m rasos. As primeiras medalhas olímpicas do país de 180 mil habitantes nas provas mais rápidas do atletismo não foram coincidência.

As nações do Caribe, com destaque para a Jamaica, se tornaram referências nessas disputas, o que explica o surgimento do fenômeno jamaicano Usain Bolt, que destruiu os recordes mundiais dos 100 m (9s58) e 200 m (19s19) rasos a partir dos Jogos de Pequim-2008.

Assim como os caribenhos, outros países também se especializaram em determinadas modalidades, principalmente as que possuem muitas categorias, para tomar algumas medalhas olímpicas das potências esportivas do planeta, que usam de seu poder econômico para formar e desenvolver atletas de alto rendimento, como Estados Unidos, China e os europeus.

Julien Alfred (à dir.), da ilha de Santa Lúcia, deixa para trás a norte-americana Sha'Carri Richardson na final dos 100 m em Paris; o Caribe volta a se destacar em provas de velocidade - AFP

Irã e nações que compunham a então União Soviética, por exemplo, se destacam em modalidades inspiradas nas lutas milenares (judô, boxe, taekwondo, livre e greco-romana). A lista continua com outros asiáticos no badminton, Bulgária e Turquia no levantamento de peso, Hungria na esgrima e natação, Nova Zelândia no remo, na canoagem, vela e rúgbi.

Mas como esses países definiram em quais modalidades investir? Por vários fatores, incluindo ambientais e climáticos, genéticos, culturais, governamentais e até a promessa de ascensão social e econômica.

No caso dos caribenhos, estudos mostraram que eles se encaixam no fator genético e fisiológico. No livro "Jamaican Gold – Jamaican Sprinters" ("Ouro Jamaicano – Velocistas Jamaicanos"), Rachael Irving e Vilma Charlton analisaram pesquisas genéticas realizadas pela Universidade de Glasgow, na Escócia, em conjunto com a Universidade West Indies, presente em 18 nações do Caribe.

O objetivo era tentar explicar por que os jamaicanos são considerados os "reis da velocidade".

A conclusão foi que 75% dos jamaicanos estudados, atletas ou não, possuem genes típicos dos ancestrais da África Ocidental, que proporcionam um maior número de fibras musculares de contração rápida, que convertem glicose em energia mais rapidamente do que em corredores brancos.

Além disso, o transporte de oxigênio aos músculos também é mais rápido do que em outras pessoas, o que explicaria a explosão muscular desses superatletas.

"Na fisiologia, você pode fazer vários testes e traçar um perfil da população para saber se ela tem mais características de se desenvolver bem em provas de velocidade, resistência ou força. Depois pode direcionar para diferentes modalidades esportivas. Se pensar em países pequenos, talvez você tenha um funil maior em relação a essas características e aos esportes envolventes", explica o professor Luciano Capelli, fisiologista e coordenador do Departamento de Saúde e Performance da Portuguesa de Desportos.

A questão fisiológica também aparece para explicar o domínio dos corredores quenianos e etíopes em provas de longa distância no atletismo. No livro "A Genética do Esporte", David Epstein conta que os maiores fundistas dessas nações têm tornozelos e panturrilhas particularmente finos, pernas longas e um tronco pequeno, além de uma boa capacidade circulatória e respiratória por causa da altitude, características importantes em longas corridas.

Nos dois casos, a característica genética ajudou os primeiros atletas a se destacarem no cenário internacional, passando a servir de exemplo para as gerações seguintes, dando início a uma cultura esportiva, segundo Ary José Rocco Jr, professor da Escola de Educação Física e Esporte da USP (Universidade de São Paulo).

"Longe de querer desprezar a ciência, hoje é muito bom deixar claro isso, mas antes da ciência vem toda essa questão cultural, geográfica, histórica, que vai criar essa relação de determinados países com determinadas modalidades."

Nesse contexto, ele cita a colonização como um dos principais fatores para a predileção pelo rúgbi, pela canoagem e pelo remo na Nova Zelândia, ex-território britânico.

"Eu diria que o mais fundamental são determinadas modalidades que criem nas pessoas, tanto do ponto de vista da prática quanto do consumo, uma questão de identidade e de pertencimento."

Outro exemplo citado pelo professor é o Quênia que, com suas características geográficas de altitude e a forma como o país foi constituído, em povoados, as pessoas têm que percorrer longas distâncias para ter acesso a alguns serviços básicos, como educação e saúde, característica que foi aproveitada para criar e desenvolver a cultura de fundistas.

"Quando você faz isso desde criança, cria uma determinada aptidão para longas distâncias. E aí se isso for trabalhado esportivamente de forma adequada, como aconteceu lá atrás, se não me engano foi um treinador italiano que percebeu isso e resolveu montar um centro de treinamento lá para longa distância, você consegue explorar esse potencial. Então, no caso do Quênia, as questões geográficas do país e a sua constituição política favoreceram isso", destaca Rocco Jr.

Antiga república da União Soviética, o Uzbequistão usa políticas públicas para criar uma cultura esportiva. Como seus vizinhos, a tradição do país sempre foi relacionada a lutas, tanto que em Paris já conquistou um ouro e dois bronzes no judô e está em semifinais de boxe, luta greco-romana e taekwondo, mas há 13 anos o governo iniciou um programa de base para ampliar o leque.

Foram construídos 1.700 centros esportivos país afora, que acomodam mais de 2 milhões de crianças e adolescentes nas mais variadas modalidades. O governo incentiva a participação e organiza campeonatos em todas as faixas etárias para, no futuro, escolher os destaques que serão levados para os centros de alto rendimento.

"Os esportes se tornaram uma parte integrante da vida de nossas famílias, ganhando um espaço significativo na mente das pessoas. Hoje, os pais levam seus filhos aos clubes esportivos por conta própria", diz em comunicado o site do governo uzbeque.

Independentemente do motivo da escolha das modalidades, o certo é que essas nações especialistas conseguem se manter em evidência no concorrido cenário olímpico.

As medalhas conquistadas pelos países especialistas em Paris 2024*

País Conquistas
Nova Zelândia Canoagem slalom - 1 ouro
Ciclismo de pista - 2 pratas
Remo - 1 ouro, 2 pratas e 1 bronze
Rugby sevens - 1 ouro
Triatlo - 1 prata
Vela - 1 prata
Romênia Remo - 2 ouros e 3 bronzes
Natação - 1 ouro e 1 bronze
Levantamento de peso - 1 prata
Hungria Esgrima - 1 ouro, 1 prata e 1 bronze
Natação - 2 ouros e 1 prata
Lançamento de martelo - 1 prata
Tiro esportivo - 1 bronze
Bélgica Ciclismo de estrada - 2 ouros e 2 bronzes
Judô - 1 bonze
Azerbaijão Judô - 2 ouros
Taekwondo - 1 prata
Cazaquistão Judô - 1 ouro e 1 bronze
Boxe - 1 prata e 2 bronzes
Ginástica artística - 1 prata
Luta - 1 prata
Tiro esportivo - 1 bronze
Geórgia Judô - 1 ouro e 2 pratas
Boxe - 1 bronze
Quênia 5.000 m fem. - 1 ouro e 1 prata
800 m fem. - 1 bronze
3.000 m com obstáculos fem. - bronze
3.000 m com obstáculos masc. - 1 bronze
África do Sul Natação - 1 ouro e 1 prata
Ciclismo Mountain Bike - 1 bronze
Rugby sevens - 1 bronze
Equador Marcha atlética 20 km masc. - 1 ouro
Maratona marcha atlética revezamento misto - 1 prata
Santa Lúcia 100 m rasos fem. - 1 ouro
200 m rasos fem. - 1 prata
Uganda 10.000 m masc. - 1 ouro
3.000 m com obstáculos fem. - 1 prata
Cuba Luta - 1 ouro, 1 prata e 1 bronze
Boxe - 1 ouro e 1 bronze
Uzbequistão Judô - 1 ouro e 2 bronzes
Jamaica Lançamento de disco masc. - 1 ouro
100 m masc. - 1 prata
Salto em distância masc. - 1 prata
Salto triplo fem. - 1 prata
Arremesso de peso masc. - 1 bronze
Tailândia Taekwondo - 1 ouro
Badminton - 1 prata
Boxe - 1 bronze
Levantamento de peso - 1 prata e 1 bronze
Etiópia 10.000 m masc. - 1 prata
800 m fem. - 1 prata
Quirguistão Luta - 1 prata e 3 bronzes
Índia Tiro esportivo - 3 bronzes
Tadjiquistão Boxe - 1 bronze
Judô - 2 bronzes
Irã Luta - 1 ouro e 1 bronze
Taekwondo - 1 bronze
Malásia Badminton - 2 bronzes

*Até o dia 7.ago

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