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Lula larga na contramão do que levou ao sucesso de seus dois governos

Presidente eleito tem em seu próprio passado evidências de como tirar milhões da miséria

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São Paulo

Ao defender furar o teto de gastos como "responsabilidade social" e tentar manter fora da atual âncora fiscal despesas do Bolsa Família ressuscitado, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) embarca na contramão do caminho que levou ao sucesso de seus dois governos, entre 2003 e 2010.

Estimativas apontam um valor mínimo de R$ 175 bilhões ao ano, equivalente a cerca de 2% do PIB, o que o novo governo quer manter fora do teto ao longo de seu mandato.

O valor pressionará o aumento da dívida pública e tornará muito difícil a Lula conseguir terminar seu governo (com essas despesas adicionais) realizando um superávit primário de 2% do PIB, considerado necessário para estabilizar a dívida pública em relação ao PIB.

O presidente eleito, Luiz Inacio Lula da Silva, em evento no TSE, em Brasília - Sergio Lima - 10.nov.2022/ AFP

O superávit primário é a economia que o governo deveria fazer, entre arrecadação e despesas, para pagar juros da dívida pública. Se não o faz, a dívida aumenta, e o mercado exigirá juros cada vez mais altos do governo para financiá-lo.

Isso compromete investimentos produtivos e encarece empréstimos a consumidores, derrubando a economia. Também acaba levando a mais inflação, à medida que o governo terá de emitir dinheiro para financiar gastos e o pagamento de juros, trazendo um cenário de estagflação (recessão com inflação).

Dados dos últimos 20 anos deixam claro que a responsabilidade fiscal e os superávits primários foram fundamentais para que Lula fizesse mais pelo social —como diz ser sua prioridade agora.

Ao realizar superávits todos os anos, entre 2003 e 2010, para reduzir a dívida pública, Lula obteve taxa média anual de crescimento do PIB de 4% (quase o dobro da era FHC), baixou o desemprego, a miséria, a inflação, o dólar e aumentou os investimentos no país.

Isso ocorreu pelo fato de os agentes econômicos (empresas, mercado financeiro, empreendedores) confiarem na solvência do país com a diminuição da dívida pública proporcionada pelos superávits.

Com isso, o governo pagou juros mais baixos para se financiar, afastando a necessidade de um eventual aumento da carga tributária para pagar a dívida. Deu-se, então, um ciclo virtuoso de crescimento sustentável.

Ponto que Lula mais enfatiza em seus discursos, o período de superávits contribuiu para que seu governo cortasse à metade o total de miseráveis no Brasil, de 29% em 2003, para 14% em 2010.

Segundo dados da FGV Social daquele período, quanto mais pobre, maior foi o aumento real na renda, o que contribuiu para a travessia de milhões de brasileiros da classe D/E para a C —agora mais próxima do bolsonarismo.

A taxa de pobreza extrema inclusive continuou caindo quando Lula deixou a Presidência. Mas só até quando sua sucessora, Dilma Rousseff, interrompeu o controle de gastos e deixou de fazer superávits, a partir de 2014. Dali em diante, todos os indicadores pioraram, e o Brasil viveu a estagflação ao final do governo Dilma.

Os gráficos abaixo mostram detalhes dessa trajetória.

O longo período de baixo crescimento que se seguiu ao fim dos superávits em 2014 afetou diretamente os mais pobres e os trabalhadores informais, agora alvos de programas sociais como o Auxílio Brasil e da polêmica em torno da responsabilidade fiscal versus social.

É bastante provável que, se o Brasil tivesse mantido as contas em ordem, a queda da renda e o aumento da informalidade não teriam sequer existido nos últimos anos. Pois foi quando empresários e o mercado passaram a apostar, a partir de 2014, que haveria um estouro na dívida pública que eles reduziram drasticamente investimentos no Brasil.

O resultado dessa retração diante do descontrole fiscal acabou afetando sobretudo aqueles que Lula agora diz querer ajudar. Quanto mais pobre, maior é hoje o grau de informalidade no trabalho —e maior a queda de renda na última década.

O período de desarranjo das contas públicas e de baixo crescimento foi tão agudo que até mesmo o aumento da escolaridade dos mais pobres foi insuficiente para que conseguissem aumentar sua renda.

Na metade mais pobre do país, enquanto os anos de estudo aumentaram 27% entre 2012 e 2021, a renda caiu 26,2%. É como se todo o esforço educacional deles não tivesse surtido efeito algum —em termos de renda— por conta do baixo crescimento engendrado pelo fim da responsabilidade fiscal.

A grande questão agora é como retomar a responsabilidade fiscal (e os superávits primários) em um cenário de Orçamento apertado e com imensas demandas sociais.

Persio Arida, da equipe de transição de Lula, defendeu nesta semana a necessidade de "revisar os gastos" do governo. "Vemos camadas e camadas de gastos que perderam o sentido", disse.

Sobre esse ponto, o Brasil deixa de arrecadar mais de R$ 300 bilhões todos os anos com benefícios tributários concedidos a empresas e setores —quase o dobro do que a chamada PEC da Transição poderá custar para adequar o Orçamento de 2023 e atender as promessas de campanha de Lula.

Os chamados benefícios tributários, financeiros e creditícios a setores e empresas dobraram nos governos Lula e Dilma e hoje equivalem a quase 4,5% do PIB. Grande parte deles refere-se ao Simples, que tem levado muitos empresários individuais a pagarem, proporcionalmente, menos impostos.

Mas, mesmo que se mantenha o Simples, especialistas veem muito espaço para cortes nesses benefícios. Análise do Banco Mundial sobre políticas de incentivos em Brasil, Austrália, Canadá, Coreia do Sul e México concluiu que só o caso brasileiro resultou na combinação de aumento dos gastos tributários e queda na arrecadação —sugerindo que eles não aceleraram o crescimento.

O Brasil também gasta cerca de 25% do PIB (R$ 2,2 trilhões) na área social, incluindo saúde, educação e Previdência. Enquanto vigorou, o Bolsa Família consumia pouco mais de 0,5% do PIB (cerca de 43,5 bilhões a preços de 2021), sendo bem-sucedido por conta da focalização.

Especialistas defendem, por exemplo, um programa que chegasse a 1% do PIB (quase R$ 90 bilhões), mas muito bem focalizado, e que leve em conta as vulnerabilidades de cada família e número de filhos, entre outros fatores.

A proposta de Lula (assim como a de Jair Bolsonaro) prevê, ao contrário, um valor linear de R$ 600 a todos os atendidos, independentemente do tamanho da família e de suas necessidades. Isso só torna o programa mais caro e sem foco naqueles que de fato estão na pobreza extrema —cerca de 14% dos brasileiros (30 milhões).

Diante da precariedade das contas públicas e da experiência pregressa, Lula e equipe poderiam se debruçar sobre o que deu certo, e onde é possível economizar e melhorar a eficiência da despesa pública.

Como a trajetória de Lula e Dilma na Presidência demonstrou, há dois caminhos a seguir. Lula parece estar pegando a via errada.

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