Decisões do Supremo sobre a CPI da Covid podem reconfigurar poderes das comissões
Com mais de 20 ações levadas ao tribunal, CPI já tem uma judicialização maior que a média histórica
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As decisões que vem sendo proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em relação à CPI da Covid no Senado podem reconfigurar os poderes dados às Comissões Parlamentares de Inquérito pela Constituição de 1988.
Com mais de 20 ações levadas ao tribunal, a CPI já tem uma judicialização maior que a média histórica, de 6 ações judiciais por CPI, conforme dados do próprio Supremo.
Para começar, a CPI já nasceu judicializada. A instalação da CPI foi determinada por decisão do Supremo, ao julgar pedido de senadores autores de requerimento inconstitucionalmente ignorado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Naquele momento, o tribunal reafirmou a importância das comissões parlamentares de inquérito na fiscalização do Poder Executivo, ferramenta constitucional de controle do exercício do poder dada às minorias parlamentares.
Desde então, com o avanço dos trabalhos, mais 20 ações chegaram ao tribunal, referindo-se a três temas principais: conflitos federativos, quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático e direito a não-incriminação por parte dos depoentes.
Desde o início da CPI, governo e sua base aliada tentam ampliar seu objeto —voltado à investigação dos atos do governo federal— para incluir também governos locais.
As tentativas foram frustradas por expressa previsão regimental que impede a investigação de atos de autoridades estaduais, delegada aos legislativos estaduais.
Agora, a convocação de governadores para prestar depoimento à CPI foi anulada por medida liminar concedida pela ministra Rosa Weber, referendada pelo plenário.
Já nas ações relativas a quebras de sigilo, o Supremo tem reafirmado sua jurisprudência. Interceptação telefônica, prisão cautelar e busca e apreensão seriam providências vedadas à CPI, uma vez que são sujeitas à reserva jurisdicional.
Já quebrar os sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático são poderes dados pela Constituição às CPIs, exigindo-se a demonstração de sua pertinência e necessidade para cada caso concreto.
Os ex-ministros Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello, por exemplo, recorreram ao STF e não obtiveram êxito. Até o momento, a maior parte dos ministros tem reafirmado os poderes dados pela Constituição à CPI.
Já os ministros Luís Roberto Barroso, Kássio Nunes Marques e Dias Toffoli têm sido favoráveis aos depoentes.
Por fim, o Supremo tem sido desafiado em uma série de ações a interpretar as garantias dos depoentes chamados à CPI, a partir do direito à não-incriminação.
As decisões têm afirmado que os depoentes terão o direito de ficar em silêncio caso estejam sendo investigados em outros processos pelos mesmos fatos. Ou seja, é preciso que haja um processo de responsabilização em curso e que os fatos sejam coincidentes.
O direito de ficar em silêncio para impedir a auto-incriminação não acarreta presunção de culpa ou permite prisão em flagrante por desobediência.
Associado a este argumento, algumas decisões têm ido além, garantindo ao depoente, além do direito a não-incriminação, o direito de não comparecer à CPI, como consequência de decisão do Supremo que considerou inconstitucional a condução coercitiva do réu ou investigado para depoimento em inquéritos ou processos judiciais.
Sem as devidas nuances, o direito de faltar à CPI sob argumento de exercer o direito ao silêncio pode esvaziar seu propósito de fiscalização e controle do poder. O âmbito de investigação da CPI é amplo, e agentes públicos têm o dever de prestar contas sobre seus atos.
Esta é a CPI mais importante da história, buscando revelar a verdade da política que conduziu o país para mais de 500 mil mortos. A busca desta verdade não pode se dar em violação do direito ao silêncio e isso é um fato, mas tampouco se pode diminuir o escopo da CPI ao de um mero inquérito policial.
É preciso que o STF construa essa necessária diferenciação. As decisões que procuram conciliar o direito do depoente em se calar sobre alguns fatos e o dever de expor outros parecem mais adequadas ao objeto das CPIs.
Muito já foi feito a partir dos delineamentos processuais dados pelo Supremo.
Ao manter depoimentos de ex-ministros e secretários, o Supremo permitiu que a CPI expusesse a existência de um gabinete paralelo de propagação da Covid-19, composto por ministros de estado, secretários, especialistas e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro.
A extensão de recusa em negociar a aquisição e o desenvolvimento de vacinas, somando mais de 80 emails não respondidos pelo governo, foram reveladas pela CPI, a partir de depoimentos e requisições de documentos dali decorrentes.
Os dados que serão obtidos pela quebra de sigilo telefônico, telemático e bancário certamente trarão novos elementos.
Os depoimentos, dados e documentos revelados pela CPI integrarão um relatório apontando responsabilidades e o dever de investigação por parte do Ministério Público, nos termos da Constituição.
Aqui também há uma contribuição do Supremo, que recentemente declarou constitucional a tramitação prioritária de processos instaurados a partir do relatório da CPI. “Não vai dar em nada”, disse o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
Hoje, as instâncias formais de responsabilização criminal (através de ações penais) e política (impeachment) parecem alinhadas àqueles que disseminaram propositadamente a Covid entre os brasileiros.
Porém o relatório da CPI perdurará para um amanhã onde a responsabilização constitucional –que já é necessária— se tornará também possível.
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