Os tucanos
estão nas mãos do governo Lula para tentar equacionar
a encrenca das dívidas do Estado e, principalmente,
da cidade de São Paulo. Até o fim de abril do
ano que vem, pelas regras da Lei de Responsabilidade Fiscal,
a Prefeitura tem de fazer um ajuste quase impossível,
da ordem de R$ 7 bilhões, para reduzir seu nível
de endividamento. A prefeita Marta Suplicy vinha sendo, dentro
do PT, uma das principais defensoras da renegociação
das dívidas.
Com sua derrota, o governo federal livra-se da pressão
doméstica e deve dificultar as coisas para o prefeito
eleito, José Serra, assim como para o governador Geraldo
Alckmin, que também depende da boa vontade do Planalto
para se ajustar aos parâmetros da lei.
A situação mais grave é a do novo prefeito,
que herdará dívida de R$ 29,5 bilhões,
o equivalente a 233,49% do valor de toda sua receita líquida
anual. Pela Lei Fiscal, um município não pode
ter endividamento superior a 120% do valor dessa receita.
Toda prefeitura que apresentasse excesso de endividamento
no momento em que a regra passou a ser adotada, no fim de
2001, teria 15 anos para eliminá-lo, progressivamente.
Desde então, a dívida de São Paulo não
só não caiu como aumentou. Até agora,
a administração municipal não sofreu
as conseqüências porque, assim como os governadores,
ganhou no ano passado mais quatro quadrimestres para se ajustar.
O prazo termina em 30 de abril e exige da Prefeitura a redução
de seu nível de endividamento para 178,39%. Em números
absolutos, isso significaria diminuir a dívida para
R$ 22,5 bilhões em valores atuais, um esforço
de quase R$ 7 bilhões - ou metade de toda a receita
programada para 2005.
Cheque
"Não tem como a Prefeitura fazer um cheque
dessa magnitude e levar para a União até abril",
disse o vereador eleito José Aníbal, que foi
líder da bancada tucana na Câmara no governo
Fernando Henrique. Na prática, a solução
não depende de mudanças no texto da lei. Exige,
porém, que o Tesouro Nacional aceite novas interpretações
sobre a resolução do Senado que trata dos limites
de endividamento. Atualmente, o ponto de partida para todas
as comparações realizadas pelo Tesouro é
dezembro de 2001, mas o governo paulista, por exemplo, argumenta
que deveria ser um ano depois, já que a resolução
do Senado foi republicada com pequenas alterações
em abril de 2002.
Esse simples ano pode fazer muita diferença, já
que em 2002 as dívidas dos Estados e grandes municípios
apresentaram uma elevação fora do comum. Motivo:
a alta do IGP-DI, que é o índice utilizado na
correção das dívidas.
"São Paulo nunca pediu a renegociação
da sua dívida, que sempre paga em dia. O que queremos
discutir com o Tesouro, no momento certo, é o prazo
de enquadramento para o estoque da dívida", afirmou
o secretário estadual da Fazenda, Eduardo Guardia.
No caso da Prefeitura, se a referência a ser adotada
para o enquadramento for dezembro de 2002, o esforço
de ajuste cai para R$ 1,5 bilhão. Ou seja, a Prefeitura
precisaria reduzir seu endividamento para R$ 27,9 bilhões
e não mais para R$ 22,5 bilhões.
Serra pode até mesmo ir ao Senado fazer um apelo para
que a resolução seja alterada. Mas o governo
do PT não está disposto a facilitar as coisas
para o tucano e deve segurar ao máximo qualquer ajuste.
"Deixa o Serra governar seis meses para ver o que é
bom para a tosse", disse ao Estado um importante interlocutor
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O vice-líder do governo no Senado, Romero Jucá
(PMDB-RR), também não acredita que o Planalto
renegociará a dívida da Prefeitura nem a do
governo paulista. "Isso abriria uma comporta pela qual
passariam as reivindicações de todos os Estados
e municípios, o que oneraria a União",
comentou Jucá. Na sua avaliação, o que
o governo pode fazer é discutir a possibilidade de
esticar os prazos.
Modelo
Relator da dívida da Prefeitura, Jucá
disse saber "o tamanho do abacaxi" que Serra herdará.
Negou, porém, que o Planalto leve em conta o partido
do administrador para aceitar ou barrar reivindicações.
"O governador Zeca do PT, de Mato Grosso do Sul, cansou
de bradar pela repactuação e não conseguiu.
A questão não é partidária: é
de modelo econômico", disse. "Em tese, todos
os Estados e municípios estão com a corda no
pescoço, só que a corda da Prefeitura de São
Paulo é de ouro."
Ao contrário de Jucá, o senador Eduardo Suplicy
(PT-SP) disse achar possível a renegociação
das dívidas. Seu argumento: a atividade econômica
cresceu e com isso a arrecadação deve melhorar.
"Existe uma disposição do governo de, havendo
entendimento com a Fazenda, chegar a uma solução
que garanta folga para Estados e municípios",
afirmou.
O que diz a lei fiscal
A dívida dos Estados não pode ultrapassar
200% da sua receita corrente líquida. Nos municípios
esse limite é de 120%. O prazo para reduzir os eventuais
excessos que existiam quando a Lei de Responsabilidade Fiscal
começou a vigorar era de 15 anos.
Como no fim de 2001, quando o Tesouro passou a controlar
o endividamento, a Prefeitura de São Paulo possuía
uma dívida equivalente a 192,98%, o excesso era de
72,98% e deveria ser eliminado progressivamente, a uma fração
de 4,87% ao ano. No ano passado, por causa do baixo desempenho
da economia, o Senado aprovou uma resolução
postergando o prazo de enquadramento até o fim de abril
de 2005.
Embora o prazo tenha sido adiado, a Prefeitura deve reduzir
o seu nível de endividamento numa proporção
correspondente aos três anos que já se passaram
desde que a regra passou a valer; ou seja, para 178,39%.
SÉRIGO GOBETTI VERA ROSA
do Estado de S.Paulo
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