HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 

folha de s. paulo
13/02/2005
Um fato novo na agenda social brasileira

Entre 1980 e 2004, foram cometidos 700 mil assassinatos no Brasil; o homicídio tornou-se a principal causa de óbito entre jovens; na cidade de São Paulo, ocorrem, em média, 140 seqüestros relâmpagos por mês. Já era tempo de termos aprendido alguma coisa com essa guerra civil não-declarada. Pelo jeito, estamos, enfim, aprendendo.

Nas esferas federal, estadual e municipal, desenham-se políticas públicas para os jovens. São os primeiros resultados de uma pregação de educadores e ativistas em direitos humanos, iniciada solitariamente no final da década de 80, para convencer as autoridades de que, diante da epidemia de violência, deveriam ser implementados, em escala nacional, programas focados na juventude. Apenas a repressão, advertia-se, não iria funcionar, como não está funcionando.

Basta ver alguns dos programas lançados para constatar que há algo de novo na agenda social brasileira.

Lançado neste ano e resultado da unificação de projetos nos mais diversos ministérios, o Pró-Jovem oferece uma ajuda em dinheiro, a ser administrado pelos prefeitos, para quem se dispuser a estudar ou a realizar ações comunitárias. O alvo geográfico são capitais. Criou-se uma Secretaria Nacional da Juventude, para a qual foram chamados respeitados especialistas na questão.

Também na esfera federal, o Prouni dá a chance de gratuidade em faculdades privadas. Em São Paulo e Goiás, funciona esse tipo de proposta, com a diferença (mais engenhosa) na contrapartida: em troca das bolsas, os universitários prestam serviços. Isso tem ajudado a viabilizar, em São Paulo, a abertura de escolas nos fins de semana: os universitários são tutores. Abrir escolas para a comunidade, como mostram estudos da Unesco, tem ajudado a disseminar a cultura de paz em bairros violentos.

Em todo o país, cursinhos pré-vestibulares, a maioria deles em regiões periféricas, passaram a ter financiamento público. Em São Paulo, um programa apresentado neste mês oferece dinheiro para o jovem que se dispuser a fazer supletivo nos fins de semana.

O Ministério da Saúde apresentou neste mês um plano de ampliação do acesso a métodos anticoncepcionais, inclusive com maior oferta de cirurgias de esterilização. O governo federal está criando uma comissão (e a discussão, nesse caso, já é um avanço nesse nível) para descriminalizar o aborto. Cerca de 1 milhão de mulheres, a maioria delas adolescentes, submetem-se a abortos clandestinos. Não é pouca coisa mexer nesse tópicos, especialmente complexos numa nação católica.

Com o apoio dos secretários estaduais da Educação, o Ministério da Educação lançou um projeto de financiamento do ensino básico (Fundeb). De acordo com o projeto, asseguram-se mais recursos para crianças de idade entre quatro e seis anos e, ao mesmo tempo, os jovens são beneficiados, já que são previstas mais verbas para o ensino médio. Todos sabemos que tão importante para o desenvolvimento social de um país como a redução do desemprego e o aumento dos salários é a melhoria da educação. O resto, inclusive esse cipoal de bolsas, são apenas remendos.

Um dos principais cenários da violência juvenil, a cidade de São Paulo desenvolve experiências que merecem observação. Marta Suplicy realizou ações inovadoras em sua gestão, ao mapear e apoiar manifestações culturais, muitas das quais alternativas, da juventude paulistana -o grafite e o hip hop, por exemplo. José Serra dará seqüência a isso e chamou para coordenar seus programas na área Luciana Guimarães, uma das fundadoras do Sou da Paz, movimento que organiza programas de educação contra a violência.

O Sou da Paz faz parte da galeria de inventos, cada vez mais abundantes, de protagonismo juvenil. Lida com artes, meio ambiente, esportes, cultura, tecnologia e geração de renda, áreas nas quais o jovem é chamado a opinar e a construir, discutindo seu projeto de vida.

Poucas coisas simbolizam mais o valor da educação do que a transformação do Carandiru de presídio em espaço de formação de jovens; o lugar que antes era uma prisão passa a ser um espaço de libertação.

É cedo para comemorações. Muitos dos programas ainda engatinham e o dinheiro é ínfimo diante das necessidades. São raros os casos de articulação das diversas esferas do poder; elas sofrem da praga da fragmentação. Não há monitoramento e avaliação; projetos são interrompidos em decorrência das mudanças no governo. Melhorar o nível de ensino é um esforço de décadas, com o treinamento contínuo de professores e o envolvimento das famílias e da comunidade, além da implementação das mudanças curriculares.

A novidade, porém, é que o jovem veio para ficar na agenda e está moldando um novo olhar sobre o desenvolvimento social brasileiro.

PS - A mania de inventar a roda é uma praga. Se em vez de lançar o fracassado Primeiro Emprego, Lula tivesse apoiado o que já existe -a lei de aprendizagem-, muito mais adolescentes estariam aprendendo uma profissão nas empresas. Não se entende por que, no Prouni, não se reproduziu a fértil idéia de exigir dos universitários favorecidos a contrapartida em serviços comunitários. Ganharíamos, numa tacada, 100 mil servidores públicos. Agora, Lula ressuscita o assistencialista Projeto Rondon, quando poderia apoiar o Universidade Solidária, programa que funciona bem e está baseado no conceito contemporâneo de desenvolvimento sustentável.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
09 /02/2005
A escola do prazer
06 /02/2005
Experiência com samba ensina o prazer de aprender
01 /02/2005
Como acabar com FHC
23 /01/2005
O QI da cidade de São Paulo
19/01/2005 Escola dá vida
16/01/2005
Criança não é brincadeira
12/01/2005
Emprego da onda
01/01/2005
É um crime
09/01/2005 Férias inesquecíveis
05/01/2005 Para sempre