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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
13/02/2006
A luz de Edson

Na quarta-feira passada, às 12h38, o professor de matemática Ivan Francisco Xavier tinha lágrimas nos olhos enquanto lia na tela do computador um e-mail informando que Edson Mesquita, um de seus ex-alunos, entrara na Poli, o curso de engenharia da Universidade de São Paulo. "Estou chorando de alegria pelo meu garoto, que tanto me ensinou", escreveu na resposta ao comunicado.

Em 2002, a possibilidade de Edson atingir tal façanha parecia, na melhor das hipóteses, mínima. Criado sem pai e filho de uma faxineira, estudava na rede pública em Parelheiros, uma das regiões mais pobres e violentas da cidade de São Paulo. Estatisticamente, era mais provável, sem nenhum exagero, que morresse assassinado do que passasse no vestibular da Poli. Ivan impressionava-se com o talento matemático de seu aluno e temia que fosse desperdiçado. Disparou e-mails para conseguir-lhe bolsa num colégio particular. "Nada iremos acrescentar para este aluno, por mais que nós, professores, tentemos colaborar com uma boa educação", escreveu, resignado.

O resultado dessa história, naquela quarta-feira, faz parte da pior matemática brasileira -mas, ao mesmo tempo, dá uma dica sobre como trocar a subtração pela adição.

Para ganhar a bolsa, Edson teve de se submeter ao exame de uma tradicional instituição paulistana (Bandeirantes), onde a mensalidade é R$ 1.200. Deu certo. Começava mais uma batalha. Ficava boa parte de seu dia num ônibus e aproveitava esse tempo para ler; os professores o ajudavam com a passagem e dinheiro para a merenda. Nos finais de semana, estudava inglês, com uma bolsa na Cultura Inglesa.

"Não faço isso como obrigação, mas por prazer." Ao saber do resultado do vestibular, ele obviamente ficou satisfeito. Mas queria mais. "Vou continuar batalhando para entrar no ITA", disse, referindo-se ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Não há dúvida de que, em nossa matemática social, o grande déficit brasileiro é causado pelo desperdício de recursos humanos. Imagine quantos jovens como Edson, dotados de inteligência especial, deixam de prosperar por falta de oportunidade. Na semana passada, uma única linha, perdida numa gigantesca lista divulgada na internet, comprovou o efeito Edson. A linha refere-se ao colégio Juarez Wanderley, onde todos os alunos foram selecionados em escolas públicas.

Lançada pelo Ministério da Educação, a lista revela o desempenho de alunos nas provas do Enem, que não mede decoreba, mas a habilidade e competência para relacionar informações, juntando temas aparentemente distantes como história e biologia.

Os estudantes do colégio Wanderley conseguiram chegar ao topo da lista, vencendo, de longe, muitas das mais disputadas instituições privadas. É um resultado ainda mais expressivo do que o apresentado nos cursos técnicos estaduais e federais de ensino médio, povoados pelas classes média e alta.

A explicação: esse colégio de ensino médio, em São José dos Campos, é mantido pela Embraer, que resolveu fazer dali um centro de excelência, selecionando os melhores alunos apenas da rede pública da região.

Não é sensato pedir que os governos estaduais universalizem, a curto ou mesmo médio prazo, a experiência da Embraer. Mas vale refletir se não seria melhor disseminá-la, no sistema público de ensino, em pequena escala como laboratórios de testes pedagógicos e centros de formação de professores. Além disso, seria uma alternativa às cotas universitárias. Está-se discutindo, no Congresso, reservar 50% das vagas nas universidades federais para os cotistas.

Faz muito mais sentido criar centros de excelência para os melhores alunos da rede pública como Edson -e, assim, colocá-los nos cursos mais disputados- do que oferecer cotas, orientadas nem sempre pelo critério do mérito.

Muitos poderão pensar que essa é uma proposta elitista - e, de certo forma, é mesmo. Afinal, apenas uma minoria seria beneficiada. Mas também é um mecanismo de democratizar o acesso dos mais pobres aos cursos dominados pela elite, que tem condições de pagar uma mensalidade de R$ 1.200. É o que custava um ano de Edson na escola de Parelheiros.

P.S. - É impressionante a garra dos alunos de escola pública que conseguem entrar nas melhores universidades. A Unicamp comparou as notas e percebeu que muitos deles, depois de certo tempo, superaram os que vieram das particulares. Ou seja, o vestibular pode selecionar os melhores fazedores de testes, mas não necessariamente os melhores alunos.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

Leia mais sobre o Colégio Engenheiro Juarez Wanderlei

   
 
 
 

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