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REFLEXÃO


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urbanidade
16/02/2005
Visão de futuro

Guilherme Bara, 27 anos, nunca aceitou a cegueira. Não quis usar bengala e optou por desafios difíceis mesmo para quem enxerga normalmente. Pratica rapel, rafting e corridas de longa distância, como a São Silvestre. Era normal que também se achasse em condições não só de freqüentar escolas de samba mas também de ajudá-las a desfilar melhor-e conseguisse.

Quando começou a gostar do Carnaval, não distinguia nenhuma cor. Apenas percebia, no máximo, vagas silhuetas em contraste com clarões de luz. Por sofrer de retinose pigmentar, doença que provoca falta de irrigação nas células da retina, foi perdendo pouco a pouco a visão. Aos 15 anos, estava quase totalmente cego.

Isso não o impediu de fazer faculdade de administração e de presidir o grêmio estudantil da escola. "Mantive as lembranças das imagens, o que me ajuda muito."
Guilherme foi convidado pela Secretaria Estadual de Cultura a desenvolver oficinas de teatro, dança, música e artes plásticas para portadores de deficiência visual. Mas também não quis ficar restrito ao mundo da deficiência. "Foi só aí que me apaixonei pelo Carnaval."

Soube que as sedes das escolas de samba ficavam vazias na maior parte do ano. Propôs então que fossem ocupadas com aulas para crianças e adolescentes de dança afro, bateria, mestre-sala e porta-bandeira, violão e cavaquinho. Nasceu assim o projeto Barracão. "Era um jeito de manter as crianças e adolescentes ocupados aprendendo coisas úteis para suas vidas e ajudar na profissionalização das escolas." Os professores contratados são da própria comunidade.

A experiência começou há dois anos, com 15 barracões. Agora são 40 deles envolvidos no projeto, que neste ano deve ganhar a melhor sede possível. Como a prefeitura acaba de decidir transformar o sambódromo em espaço complementar às escolas de ensino fundamental e médio da região, que são povoadas de grupos carnavalescos, foi natural que o Barracão fosse chamado a se instalar no local.

Guilherme está aceitando cada vez mais a cegueira. "Demorou para eu me convencer de que minha doença não tinha cura." Neste ano, começou a ensaiar o uso de bengala. "Vai ser melhor", conforma-se. É difícil, porém, conformar-se, ele mesmo admite, em não poder ver nos desfiles das mais diferentes escolas de samba o rosto dos muitos meninos que seu projeto ensinou a tocar e a dançar. "Dá para imaginar a emoção deles." Afinal, ele próprio estava, neste ano, em cima de um um carro alegórico. "Aprendi que a beleza é vista pelos olhos interiores."


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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