HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 

urbanidade
16/03/2005
Amor em poucas lições

O que deveria ser um despretensioso curso de espanhol acabou se transformando em um tratamento psicológico.

A artista plástica chilena Juana Balcazar dispôs-se a ensinar espanhol na Casa do Adolescente, instalada nos fundos de um centro de saúde, em Pinheiros. Ali funciona uma espécie de laboratório de saúde pública focado apenas nos jovens. Nesse ambiente de experimentações, Juana sentiu-se tentada a fazer um teste de educação afetiva. As aulas seriam orientadas pela leitura e pela escrita de poemas e cartas de amor.

Imaginou que pudesse motivar especialmente as meninas, muitas das quais ameaçadas do risco de gravidez precoce e de doenças sexualmente transmissíveis, fazendo uma trama entre a língua espanhola e as dores e alegrias do afeto. "Achei que fosse um jeito de me aproximar delas." Socorreu-se, então, de Neruda.

A obra "Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada", de Neruda, foi um dos textos usados por Juana. Uma aula inteira foi centrada em um verso do poema de número 20: "Posso escrever os versos mais tristes esta noite". A escolha de Neruda também envolvia uma questão pessoal.

No Chile, de onde saiu depois do golpe militar, Juana tinha contato com o poeta; ambos militavam no Partido Comunista. Chegou a ser convidada a ilustrar uma de suas poesias. "Para mim, como para muitos dos chilenos, Neruda era a nossa voz." Depois do golpe militar, Juana veio morar em São Paulo, onde decidiu viver para sempre. "O exílio faz com que tenhamos as noites mais tristes."

Com base nas palavras que iam aprendendo durante a leitura das poesias, as meninas escreviam cartas a seus namorados ou amores platônicos. Com sua didática do afeto, Juana acabou involuntariamente se aproximando ainda mais de Neruda. Há um filme intitulado "O Carteiro e o Poeta", em que Neruda, vivendo exilado, ensina um humilde carteiro a expressar, no papel, sua paixão pela mulher amada e aparentemente inatingível.

O método de Juana pode não estar ajudando a produzir nem poetisas nem bilíngües, mas está funcionando para elevar a auto-estima das jovens. A Casa do Adolescente resolveu também oferecer aulas de inglês tomando como ponto de partida cartas e poesias de amor. "A descoberta das palavras acaba se misturando com a descoberta das emoções. Com base nisso, todos conversam sobre seus problemas."

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
15/03/2005
Marta vai dar a volta por cima?
13 /03/2005
Gravidez de adolescentes tem cura
09/03/2005
Atrás dos tapumes
08/03/2005
Chega de hipocrisia
06/03/2005
Cidade se transforma em laboratório da violência
03/03/2005
O brasileiro deu uma lição no Congresso
01/03/2005
Escritora de rua
01/03/2005
Deputados não sabem a surra cívica que vão levar
27/02/2005
Terra do Nunca