Na região
metropolitana de São Paulo, em cada cinco estudantes
de 15 a 17 anos, um deixa a escola
Muitos daqueles galpões foram, no passado, prósperas
indústrias, construídas ao longo da linha do
trem, mas muitas deles faliram ou se mudaram. Em meio aos
sinais de decadência e caos urbano por todos os lados,
um pequeno e vistoso jardim contrasta com a aridez do entorno.
Nesse local, está uma das possíveis soluções
para um dos maiores desperdícios brasileiros, apontado,
na semana passada, pelo Centro de Políticas Sociais
da Fundação Getulio Vargas -esses desperdícios
fabricam alguns dos tijolos que erguem, por exemplo, os muros
que cercam as favelas do Rio ou os presídios.
Os alunos de escolas públicas que atravessam aquele
jardim saem de lá com emprego de carteira assinada
-e muitos se transformam em professores, alguns deles quase
adolescentes.
Pesquisa da FGV mostrou que a principal razão que
leva o jovem a deixar a escola não é a falta
de dinheiro, mas de interesse. Na região metropolitana
de São Paulo, em cada cinco estudantes de 15 a 17 anos,
um deixa a escola -um movimento mais do que compreensível
numa rede em que professores que tiraram zero numa prova de
qualificação continuam a dar aulas. Ou, como
mostraram as provas, estudantes não sabem o perigo
de empinar pipa perto de um fio de alta tensão nem
a relação entre vacina e sistema imunológico,
por ignorar rudimentos da ciência.
Tradução: a incompetência do poder público
está desperdiçando talentos.
O jardim integra o Centro de Formação Profissional
Engenheiro James Stewart -uma parceria entre o Senai e a CPTM
(Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos).
Para entrar lá, o jovem faz um concurso público
na categoria de aprendiz e, durante dois anos, recebe um curso
técnico. Com o diploma de formatura, vem o emprego.
Se não quiser ficar na CPTM, não faltarão
opções. Até porque aquela é a
única escola especializada na formação
de técnicos ferroviários.
Quem entrou, claro, não sai.
Quando o jovem vê perspectiva nos estudos, obviamente
não tende a ir para a rua. A taxa da evasão
das escolas do Senai, na qual a imensa maioria sai da rede
pública, é de 2,3% -é algo semelhante
ao das escolas do Centro Paula Souza, ligadas ao governo estadual.
A empregabilidade: em média, 85%.
Uma das boas emoções que um educador pode ter
é visitar esses centros. Vemos aqueles jovens que,
depois de tantas pancadas, agarram-se a uma oportunidade,
sentem-se respeitados e, por isso, respeitam, porque percebem
que encontraram futuro. O estímulo do professor está
nesse progresso coletivo.
Já existe um consenso de que um dos melhores investimentos
brasileiros em capital humano é o ensino técnico
-e até já começam a se espalhar experiências
interessantes como a divisão de espaços entre
os cursos técnicos com a rede pública.
Mas, certamente, umas das soluções é
a disseminação da lei da aprendizagem, aprovada
há muito tempo, mas pouco implementada.
Isso significa ampliar a contratação de aprendizes,
a partir dos 14 anos de idade, pelas empresas, que serão
as maiores beneficiárias com a mão-de-obra qualificada.
Nesse jogo, ninguém sai perdendo -é uma relação
muito mais produtiva do que ficar distribuindo bolsas. Certamente,
vai colocar centenas de milhares nos trilhos -e não
conduzi-los à marginalidade, erguendo muros ou construindo
presídios.
PS - Quem faz as análises mais críticas da
escola pública são os estudantes que saíram
de lá e foram estudar em locais como Senai ou Centro
Paula Souza, porque conseguem fazer comparações.
Geralmente são jovens de famílias pobres que
levam a educação muito a sério, tanto
que passaram por disputados concursos. Nas últimas
duas semanas, encontrei cerca de 3.000 desses alunos -fui
conhecer experiências como os cursos de rede de comunicação
e artes gráficas, todos reconhecidos internacionalmente.
Fiz ali uma pesquisa e perguntei o que mais incomodava nas
escolas públicas. Todos se sentiram desrespeitados
das mais variadas formas. Em primeiro lugar na lista de desrespeitos,
apareceu a falta e o atraso dos professores. Eles traduzem
essa atitude como indisciplina.
Para fazer justiça: Maria Helena Guimarães,
que deixou a Secretaria da Educação na semana
passada, foi das pessoas que conheci que mais se dispuseram
a arrumar brigas para melhorar a qualidade de ensino. Enfrentou
a falta e a rotatividade dos professores, implantou um sistema
de mérito, aprimorou mecanismos de avaliação,
implantou um currículo básico, brigou com as
faculdades de pedagogia, criticou a gestão do PSDB
no governo estadual. No futuro, ela será conhecida
como uma das mais importantes referências da educação
brasileira. O problema dela é que estava mais preocupada
com a educação do que com a comunicação
-o que, em política, é o caminho da reprovação.
Chegou ao ponto de tornar mais difícil a prova de português,
sabendo que, no ano seguinte, os resultados seriam ainda mais
negativos.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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