REFLEXÃO


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urbanidade
20/06/2007
Professora de aventura

Nessa caminhada pela vocação, Sílvia está prestes a voltar aonde começou; e, parte, graças a crianças de rua


Sílvia Guimarães cursava desenho industrial na Faap. Não demoraria a desconfiar de que a sua vocação não passava por aquelas pranchetas. Em 1995, mudou-se para Nova York e estudou fotografia. Mais uma frustração. De volta ao Brasil, desorientada, não sabia qual caminho seguir. Na busca angustiada de uma vocação, lembrou-se do prazer que tivera ensinando a nadar. Ela disputava torneios e acabou dando aulas. Imaginou que, talvez, estivesse nas piscinas uma pista profissional.

"Quis ser professora." Fez pedagogia no Mackenzie e, formada, trabalhou durante cinco anos numa pré-escola. Mais uma insatisfação. "Não gosto de ficar fechada nos espaços", conta, justificando por que não queria ficar trancada num estúdio de desenho industrial nem num laboratório fotográfico.

Optou pela aventura -literalmente. Como sempre gostou de exercícios físicos, especialmente natação, resolveu se especializar em esportes de aventura, percorrendo percursos de até mil quilômetros a pé, de canoa ou de bicicleta. Nessa caminhada pela vocação, Sílvia está prestes a voltar aonde começou. E, parte, graças a crianças também acostumadas a fazerem caminhadas -crianças de rua.

Além de percorrer trilhas pelas mais diversas paisagens brasileiras, Sílvia meteu-se em picadas por países como o Vietnã, Quirquistão, Croácia, Ilhas Fiji, Nova Zelândia, sem contar as cidades da Europa e dos Estados Unidos. Começou como aluna, depois competidora e tornou-se instrutora. "Meu prazer é trabalhar numa sala de aula a céu aberto." Nos longos trajetos, ela observava como as pessoas, submetidas à extrema pressão, conseguiam se superar e aprendiam a atuar em conjunto. "Eles precisavam trabalhar em equipe, fazer planejamentos detalhados, valorizar o que os outros têm de melhor e saber lidar com o pior.

Era uma espécie de viagem forçada de autoconhecimento." Mas ficou especialmente impressionada quando teve de orientar, no seu grupo, jovens em situação de risco, muitos deles que perambularam durante muito pelas ruas -uma entidade internacional bancava os custos das viagens. "Eles desenvolviam o gosto pela autonomia."

Os jovens mudavam a postura do corpo, ficavam menos desinibidos, abriam-se nas conversas, encantavam-se cada vez mais com as paisagens. "Muitos descobriram, pela primeira vez, o que significa contemplar, em silêncio, o pôr-do-sol." Aos poucos, ela foi se dando conta de que o que aprendera nas fechadas salas da faculdade de pedagogia ajudava a entender a transformação naqueles desafiantes trajetos.

Ela resolveu, então, partir para mais uma aventura, desta vez acadêmica. Vai voltar para a faculdade e cursar mestrado em torno da pedagogia da aventura, mostrando como se consegue provocar o prazer do aprendizado por meio dos desafios da natureza. Agora, aos 31 anos de idade, já não sente mais vontade de procurar nova profissão. "Demorou, mas, enfim, encontrei meu caminho." O de professora de aventura.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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