REFLEXÃO


Envie seu comentário

 
 

folha de s.paulo
11/06/2007
O sonho do desemprego negativo

A principal razão para Piracicaba tornar-se um pólo mundial do etanol resume-se em uma palavra: educação


Contabilizando o trabalho formal e informal, economistas descobriram que o índice de desemprego de Piracicaba, no interior de São Paulo, é de 6% negativos. Há, portanto, vagas de sobra. O problema local é o inverso da tragédia brasileira: encontrar mão-de-obra, mesmo a mais desqualificada.

Elaborada pela Universidade Metodista de Piracicaba, essa estatística traduz-se na corrida de empresários -nem sempre bem-sucedida- que buscam importar cortadores de cana, torneiros, soldadores, caldeireiros ou engenheiros químicos. Em nenhum outro lugar, como naquela cidade, existe uma cadeia produtiva tão completa em torno do álcool, na qual se oferecem das pesquisas mais sofisticadas de variedades de cana até a produção de máquinas para as usinas.

Já se sabe a importância de Piracicaba, com 315 mil habitantes, para o desenvolvimento do etanol, tema de seminário que, realizado na semana passada, foi acompanhado por alguns dos mais importantes investidores do mundo à procura de novos negócios.

Entre as cifras bilionárias, porém, há uma experiência iniciando-se na cidade, que, ainda desconhecida, é uma inovação tão valiosa como a descoberta genética de sementes ou a criação de produtos biodegradáveis -é capaz de influenciar gestões públicas em todo o país para a geração de emprego.

A principal razão para Piracicaba tornar-se um dos pólos mundiais de inovação de etanol resume-se numa única palavra: educação. A cidade é a sede de uma centenária escola de agronomia, a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), e de um núcleo de pesquisa, o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), dois ambientes em que se formaram engenheiros e administradores que iriam fazer descobertas científicas e tocar os empreendimentos.

É um fenômeno semelhante ao do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), que fez de São José dos Campos um pólo aeronáutico, e ao do Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), que fez de Santa Rita de Sapucaí um núcleo de telecomunicação (o arranjo mais famoso, como se sabe, é o do Vale do Silício, na Califórnia).

Em 2005, a prefeitura avaliou que, apesar da vantagem competitiva, a cidade estava ameaçada de perder espaço e lançou o Apla (Arranjo Produtivo Local do Álcool). "Para o álcool ficar mais importante, é necessário que se transforme num produto aceito mundialmente", diz o secretário da Indústria e Comércio de Piracicaba, o empresário Luciano Almeida, com pós-graduação em administração em Berkeley, nos Estados Unidos.

Montou-se, a partir dessa visão, um arranjo não só para aprimorar a pesquisa, formar mão-de-obra e melhorar a qualidade do produto mas também para conseguir disseminar o etanol pelo mundo. O primeiro passo foi colocar os empresários, muitos dos quais concorrentes entre si, trabalhando juntos.

Entraram nessa rede a Apex (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos), o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). O Centro Paula Souza, do governo estadual, ofereceu uma escola técnica voltada para a indústria do álcool e entendimento para abrir um curso de ensino superior focado na biomassa. Em parceria com os sindicatos, o Ministério do Trabalho está ajudando a treinar cortadores de cana para tentar evitar acidentes.

Note-se que, praticamente, tudo estava ali. O papel da prefeitura foi o de ser um indutor desses acertos. Um deles, por exemplo, é uma incubadora para a criação de novas empresas, que envolve entidades como o Sebrae, além de uma universidade.

Decidiu-se criar um parque tecnológico, em 400 mil metros quadrados, para se desenvolverem, entre outras coisas, pesquisas e empresas que fabricam novos produtos com cana: remédios, alimentos e plásticos. É a alcoolquímica substituindo os sujos derivados de petróleo.

O projeto nem bem saiu do papel e uma grande empresa petrolífera (Total), interessada em biocombustíveis, já mandou avisar que quer participar dele -duas universidades públicas também informaram que vão entrar no parque. Monta-se, assim, mais uma possibilidade de empregos, mantendo o círculo virtuoso do conhecimento.

Esse arranjo produtivo local ainda está engatinhando. Não se pode ainda fazer uma avaliação. Certamente o esforço ficará comprometido caso não se traduza na melhoria dos demais equipamentos sociais da cidade -a começar, é claro, da educação formal- e nos avanços das condições de vida dos trabalhadores, especialmente os cortadores de cana, para quem a modernidade ainda não chegou e, aliás, parece ter permanecido no século 17.

Além das tecnológicas, está em discussão o papel contemporâneo do gestor municipal. A eficácia das políticas públicas, como sugere a experiência de Piracicaba, depende, em larga medida, de que o prefeito abandone um olhar provinciano e seja o principal articulador de redes, influenciando até na geração de renda -isso é o que significa também a inusual estatística de desemprego de 6% negativos.

PS - Coloquei no site mais detalhes da experiência de Piracicaba, especialmente sobre o arranjo produtivo em torno do etanol.


Coluna originalmente publicada na Folha de São Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES:
06/06/2007
Morando num museu
05/06/2007
Socorro
04/06/2007
Tesouros escondidos
30/05/2007 Não por acaso
29/05/2007
Cerveja, Sicupira, Lemann e Nizan
28/05/2007
Um em cada quatro brasileiros bebe muito
23/05/2007
Carroça do futuro
22/05/2007
O otário Zeca Pagodinho
21/05/2007
Outra cidade
16/05/2007
Arte limpa
Mais colunas