Ao completar
453 anos, a cidade já estará madura para se
tornar um modelo de civilidade? Estou otimista
Desde o início do ano, começaram a ocorrer
encontros para unir lideranças empresariais, culturais,
acadêmicas e de organizações não-governamentais
em torno do projeto de transformar a cidade de São
Paulo num exemplo de revitalização. A idéia
é colocar, nessa rede, desde Febraban, Fiesp e Bovespa
até USP, PUC e FGV, passando por entidades que cuidam
de catadores de papel ou de motoboys.
Até o fim do ano, já se imagina ter um documento
com uma agenda de metas de médio e longo prazos, a
serem fiscalizadas por um observatório. A mobilização
se inspira em experiências bem-sucedidas na revitalização
de metrópoles como Bogotá, Nova York ou Barcelona,
onde engajamento da população foi decisivo.
Ao completar 453 anos, São Paulo já estará
madura para, a exemplo daquelas três metrópoles,
se tornar um modelo de civilidade, impulsionado por seus habitantes?
Tenho boas razões para estar razoavelmente otimista,
em meio ao caos urbano. A cidade, nos últimos 20 anos,
está incubando lideranças tecnicamente preparadas,
a maioria delas desconhecidas, para assumir esse desafio,
com uma nova visão sobre o papel das cidades no desenvolvimento
econômico e social.
SP vem comandando experiências de impacto nacional.
Daqui saiu, no começo dos anos 90, a primeira articulação
empresarial (Abrinq) pelos direitos da infância. Disseminaram-se,
em parceria com entidades internacionais, noções
de gestão administrativa a favor da criança
em nível federal, estadual e municipal.
A Abrinq se adiantou ao movimento de responsabilidade entre
as empresas, pautado muito menos por um olhar assistencial
que por uma ação baseada em indicadores sistematicamente
avaliados. Com salários competitivos, as empresas são
combustível para a formação de sofisticados
cursos nas universidades paulistas para gerirem ou apoiarem
programas sociais. É um crescente grupo de profissionais
que, na prática, são servidores públicos,
embora localizados nas corporações.
Há toda uma articulação por maior transparência
e racionalização dos gastos públicos.
Da cidade se montou a ofensiva, bem-sucedida em 2006, contra
a alta nos impostos.
A existência de patrocínios privados, quase
todos de empresas locais, prestou-se como alavanca para uma
série de laboratórios sociais que se espalharam
pelo país. A Fundação Ayrton Senna ajudou
municípios a fazer com que os estudantes pudessem melhorar
sua produtividade. O Cenpec espalhou, em igual escala, conhecimento
para que as escolas soubessem se integrar à comunidade
tirando proveito de suas potencialidades. O "Sou da Paz"
foi uma das peças vitais para que ganhasse força
a campanha pelo desarmamento. Graças a uma série
de parcerias, o Jd. Ângela, tido como a região
mais violenta do mundo, ensinou métodos de pacificação
de uma comunidade em guerra e se tornou um caso estudado internacionalmente.
Encontram-se lideranças, nas favelas, cada vez mais
educadas e treinadas a trabalhar em rede.
São só alguns exemplos de programas com alta
capacidade de influenciar políticas públicas,
mobilizando pessoas e influenciando governos.
Natural que, em SP, se iniciasse a inusitada articulação,
lançada no 7 de Setembro passado, no Museu do Ipiranga,
por um pacto nacional pela educação -é
um movimento tão importante como a declaração
da independência feita naquele lugar. É uma trama
que junta empresários, acadêmicos, artistas,
sindicatos, todos abertos à idéia de que a promoção
social só é consistente quando encabeçada
por lideranças municipais. E sensíveis à
idéia de que, no Brasil, as metrópoles são
um campo minado e deveriam estar no topo da agenda nacional.
Na costura de bastidores, pessoas e instituições
que participaram dos programas de mobilização
mostram-se dispostas a elaborar uma agenda para, sem deixar
suas atuações nacionais, construir essa aventura
de fazer de São Paulo um modelo de revitalização.
O mais importante por trás dessa mobilização
é um interesse palpável: não é
fácil viver com tanta pressão e com tanta vulnerabilidade
em São Paulo. O interesse não palpável
(e não menos importante) é que todos gostariam
de se apresentar como sócios de um exemplo de inteligência
-e não de burrice.
PS - Os Mutantes são personagens de um dos mais extraordinários
períodos de criatividade cultural de SP: o tropicalismo.
O grupo de rock se desfez no fim dos anos 70 -justamente nessa
época, por coincidência, começa a degradação
urbana paulistana. Agora, todos na meia-idade, eles se reciclaram,
agregaram Zélia Duncan e acabaram de fazer uma aplaudida
turnê na Inglaterra e nos EUA. Foram escolhidos como
principal atração na festa
dos 453 anos, quando tocarão em frente ao Museu
do Ipiranga. É impossível símbolo melhor
de uma cidade mutante. Assim como é impossível
pior símbolo de degradação que o episódio
do metrô, com o governo lavando as mãos e culpando
as empreiteiras. E essas culpando as chuvas.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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