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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
22/01/2007
São Paulo dos Mutantes

Ao completar 453 anos, a cidade já estará madura para se tornar um modelo de civilidade? Estou otimista

Desde o início do ano, começaram a ocorrer encontros para unir lideranças empresariais, culturais, acadêmicas e de organizações não-governamentais em torno do projeto de transformar a cidade de São Paulo num exemplo de revitalização. A idéia é colocar, nessa rede, desde Febraban, Fiesp e Bovespa até USP, PUC e FGV, passando por entidades que cuidam de catadores de papel ou de motoboys.
Até o fim do ano, já se imagina ter um documento com uma agenda de metas de médio e longo prazos, a serem fiscalizadas por um observatório. A mobilização se inspira em experiências bem-sucedidas na revitalização de metrópoles como Bogotá, Nova York ou Barcelona, onde engajamento da população foi decisivo.

Ao completar 453 anos, São Paulo já estará madura para, a exemplo daquelas três metrópoles, se tornar um modelo de civilidade, impulsionado por seus habitantes?
Tenho boas razões para estar razoavelmente otimista, em meio ao caos urbano. A cidade, nos últimos 20 anos, está incubando lideranças tecnicamente preparadas, a maioria delas desconhecidas, para assumir esse desafio, com uma nova visão sobre o papel das cidades no desenvolvimento econômico e social.

SP vem comandando experiências de impacto nacional. Daqui saiu, no começo dos anos 90, a primeira articulação empresarial (Abrinq) pelos direitos da infância. Disseminaram-se, em parceria com entidades internacionais, noções de gestão administrativa a favor da criança em nível federal, estadual e municipal.

A Abrinq se adiantou ao movimento de responsabilidade entre as empresas, pautado muito menos por um olhar assistencial que por uma ação baseada em indicadores sistematicamente avaliados. Com salários competitivos, as empresas são combustível para a formação de sofisticados cursos nas universidades paulistas para gerirem ou apoiarem programas sociais. É um crescente grupo de profissionais que, na prática, são servidores públicos, embora localizados nas corporações.

Há toda uma articulação por maior transparência e racionalização dos gastos públicos. Da cidade se montou a ofensiva, bem-sucedida em 2006, contra a alta nos impostos.

A existência de patrocínios privados, quase todos de empresas locais, prestou-se como alavanca para uma série de laboratórios sociais que se espalharam pelo país. A Fundação Ayrton Senna ajudou municípios a fazer com que os estudantes pudessem melhorar sua produtividade. O Cenpec espalhou, em igual escala, conhecimento para que as escolas soubessem se integrar à comunidade tirando proveito de suas potencialidades. O "Sou da Paz" foi uma das peças vitais para que ganhasse força a campanha pelo desarmamento. Graças a uma série de parcerias, o Jd. Ângela, tido como a região mais violenta do mundo, ensinou métodos de pacificação de uma comunidade em guerra e se tornou um caso estudado internacionalmente. Encontram-se lideranças, nas favelas, cada vez mais educadas e treinadas a trabalhar em rede.

São só alguns exemplos de programas com alta capacidade de influenciar políticas públicas, mobilizando pessoas e influenciando governos.

Natural que, em SP, se iniciasse a inusitada articulação, lançada no 7 de Setembro passado, no Museu do Ipiranga, por um pacto nacional pela educação -é um movimento tão importante como a declaração da independência feita naquele lugar. É uma trama que junta empresários, acadêmicos, artistas, sindicatos, todos abertos à idéia de que a promoção social só é consistente quando encabeçada por lideranças municipais. E sensíveis à idéia de que, no Brasil, as metrópoles são um campo minado e deveriam estar no topo da agenda nacional.

Na costura de bastidores, pessoas e instituições que participaram dos programas de mobilização mostram-se dispostas a elaborar uma agenda para, sem deixar suas atuações nacionais, construir essa aventura de fazer de São Paulo um modelo de revitalização.

O mais importante por trás dessa mobilização é um interesse palpável: não é fácil viver com tanta pressão e com tanta vulnerabilidade em São Paulo. O interesse não palpável (e não menos importante) é que todos gostariam de se apresentar como sócios de um exemplo de inteligência -e não de burrice.

PS - Os Mutantes são personagens de um dos mais extraordinários períodos de criatividade cultural de SP: o tropicalismo. O grupo de rock se desfez no fim dos anos 70 -justamente nessa época, por coincidência, começa a degradação urbana paulistana. Agora, todos na meia-idade, eles se reciclaram, agregaram Zélia Duncan e acabaram de fazer uma aplaudida turnê na Inglaterra e nos EUA. Foram escolhidos como principal atração na festa dos 453 anos, quando tocarão em frente ao Museu do Ipiranga. É impossível símbolo melhor de uma cidade mutante. Assim como é impossível pior símbolo de degradação que o episódio do metrô, com o governo lavando as mãos e culpando as empreiteiras. E essas culpando as chuvas.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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