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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
24/10/2004
Duda, o galo e o bode

No dia 25 de julho, bem antes do início do horário eleitoral, Duda Mendonça me disse, numa conversa informal, regada a caldo de sururu, cerveja e vinho branco, como faria Marta Suplicy vencer as eleições.

Falava animadamente sobre seus planos e esbanjava otimismo com base nas pesquisas qualitativas que lhe chegavam às mãos. Seus argumentos faziam sentido.

Ele partia do princípio de que Marta Suplicy dispunha de um elenco de obras sociais de impacto, como os CEUs, o bilhete único, os corredores exclusivos de ônibus, os programas de renda mínima. Todas essas imagens, devidamente trabalhadas até o final de outubro, iriam melhorar a avaliação da administração do PT. Naturalmente, cresceria a tendência de aproximação entre o desempenho do governo e o prestígio da prefeita.

Restava-lhe melhorar a imagem pessoal de Marta Suplicy, apontada nas pesquisas como arrogante e antipática. Isso lhe parecia a tarefa mais fácil: afinal, tinha conseguido suavizar Maluf e Lula, gerando alguns dos mais importantes casos de marketing político da história do Brasil.

Sabia que a disputa não seria fácil. Estava convencido, porém, de que, semana após semana, Marta Suplicy iria crescer, montada em suas realizações e na promessa de avanços. Além disso, ele dispunha de informações de que, no segundo semestre, a economia iria melhorar e gerar mais empregos. O fator nacional, apostava ele, poderia não ajudar, mas não atrapalharia.

Duda comentou que sair batendo não funcionaria. "Eu já fiz muitas campanhas e aprendi o seguinte: quem bate perde. O eleitor quer sonho."

Ao final da conversa, insinuou que, se não fosse para pregar uma agenda positiva, acabaria se desinteressando da campanha e "ligaria o automático". "Lavo as mãos e pronto."

O otimismo logo se desfez. Já no final do primeiro turno, o publicitário candidatava-se a bode expiatório e, aos poucos, ia acionando o "automático".
Estava marginalizado antes das pesquisas divulgadas na quinta-feira passada, que indicavam o favoritismo de Serra. O desfecho, trágico, foi a sua prisão em flagrante por causa da briga de galo.

Duda não conseguiu suavizar a imagem da prefeita, cuja taxa de rejeição cresceu e, preso, via sua própria imagem sucumbir. Quem melhor, nesse momento, para levar toda a culpa?

É compreensível responsabilizá-lo por uma parte da eventual derrota de prefeita -afinal, coordenou o marketing-, mas transformá-lo em bode expiatório é um equívoco, uma conseqüência da desinformação.

Marta cometeu um primeiro erro (e esse pode ser creditado a Duda) ao inventar o tal CEU Saúde. Lidas as pesquisas, chegaram à conclusão de que a saúde era o ponto vulnerável da administração. Não calcularam que, ao guindarem a saúde à posição de principal tema da eleição, estariam ajudando Serra, que, afinal, tem uma imagem positiva associada ao tema por ter sido ministro da Saúde.

A insegurança da cúpula da campanha, a começar de Luis Favre, fez com que desconfiassem da estratégia positiva de Duda. Chegaram a ter medo de que Serra pudesse vencer no primeiro turno. Optou-se pela agressividade e Duda viu-se rendido, mas acatou as orientações. Chegou a discutir se deveria renunciar, temeu o impacto e voltou atrás. Preferiu "ligar o automático", que o estimulou a viajar, em uma semana decisiva, ao Rio de Janeiro e divertir-se em uma briga de galo.

A imagem da prefeitura melhorou devido à exposição no horário eleitoral. Em muitos lugares, os 48% de ótimo e bom conferidos à administração seriam suficientes para fazer um candidato se eleger no primeiro turno.

Mas a agressividade de Marta reforçou a impressão de quem a acha arrogante e antipática; as taxas de rejeição mantiveram-se altas. À medida que Serra subia, a pancadaria aumentava, gerando um círculo vicioso.

Nessa onda, fez-se de Celso Pitta um antieleitor para atingir Gilberto Kassab, seu antigo auxiliar, e respingar em Serra. Como Maluf e Duda estão associados a Marta, fazer de Celso Pitta, que só virou prefeito por causa daquela dupla, um antieleitor seria dar um tiro no pé. E Duda sabia disso. A essa altura, porém, o tom era dado por Favre.

Talvez se a estratégia inicial de Duda tivesse sido mantida, o PT também tivesse dificuldades. Afinal, a dupla Serra-Alckmin demonstra sólida articulação e a cidade está se mostrando mais aberta ao discurso do PSDB.

A questão central dessa eleição é óbvia: esteve em julgamento menos o governo de Marta do que a sua imagem pessoal. Ridículo achar que Duda é o maior responsável por esse julgamento.

Sempre há chance de virada, é claro; muita gente deu extraordinárias guinadas na reta final. Mas, neste momento, a virada é tão provável como a previsão, no início da campanha, de que Duda, o gênio da eleição de Lula, seria afastado da campanha por causa de uma briga de galo.

PS - Um dos avanços dessa campanha foi a desconstrução dos jogos de marketing, resultado do aprendizado dos eleitores. Nesta última semana, o PT e o PSDB, tentando desmoralizar os truques exibidos no horário eleitoral, estão prestando, pelos piores motivos, um bom serviço à politização. Depois de Collor, Pitta e Maluf, entre outros casos, o brasileiro está mais bem alfabetizado em marketing. Algo há que aprender do fato de que, nesta eleição, um marqueteiro saiu com a pior imagem e um presidente da República foi multado pela Justiça Eleitoral por desobediência à lei.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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