HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 

urbanidade
30/03/2005
Os párias de São Paulo

Na sua primeira viagem à Índia, em 2001, o engenheiro José Vidal ficou especialmente impressionado com os párias, a categoria mais desprezada no sistema de castas, desprovida de direitos políticos e religiosos. Os párias nem sequer podem andar de cabeça erguida; na maioria das vezes, estão agachados, maltrapilhos. "Nunca tinha visto antes seres humanos com aspecto tão animalesco."
Aquelas imagens de humilhação inspiraram um dos mais sofisticados projetos para a cidade de São Paulo hoje em discussão: transformar a "cracolândia" num pólo de tecnologia da informação. Essa inspiração deve-se a uma caminhada de Vidal pela região, onde viu crianças e adolescentes usando crack. "Novamente vi seres humanos com jeito de animais."

Vidal já estava na direção do ITS (Instituto de Tecnologia de Software de São Paulo) e conhecia experiências de recuperação de áreas urbanas com a criação de pólos de tecnologia: Barcelona, Montréal ou Recife, por exemplo. Redigiu um plano tirando proveito do fato de que a rua Santa Ifigênia, centro de produtos eletroeletrônicos, fica no coração da "cracolândia". Prédios degradados passariam, depois de reformados, a abrigar programas de formação profissional, escolas de informática e centros de pesquisa, incubadoras para a produção de software e hardware.

Por causa de sua complexidade, a proposta parecia condenada a ser tão abandonada como os párias da Índia. Nas últimas semanas, porém, parece ter sido recuperada graças a uma confluência de forças. Para tirar a droga do bairro, a prefeitura quer atrair empreendimentos para a "cracolândia". Sabendo disso, o deputado federal Júlio Seneguini, ex-presidente do ITS e ex-dirigente da Prodesp (a empresa de processamento de dados do Estado de São Paulo), levou o projeto de criação do pólo a José Serra, que gostou da idéia e mandou analisar sua viabilidade.

A poucas quadras dali, a movimentação entusiasmou a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, onde existe um grupo que reúne universidades, empresas e centros de pesquisa voltados para o estímulo à fabricação de produtos de informática.

Talvez a idéia nem saia do papel, mas já não é encarada como algo tão exótico como os párias hindus, que jamais imaginariam, na sua barbárie cultural, virar fonte de inspiração tecnológica.

Coluna originalmente publicada na Folha de São Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
29/03/2005
Obrigado, Severino
27/03/2005
Cidade produz desemprego abaixo de zero
23/03/2005
A pizza acabou em filme
22/03/2005
Seqüestro: até onde vai nossa paciência?
20/03/2005
Vacina contra violência funciona
16/03/2005
Amor em poucas lições
15/03/2005
Marta vai dar a volta por cima?
13/03/2005
Gravidez de adolescentes tem cura
09/03/2005
Atrás dos tapumes