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Sonho realizado
13/10/2004

Primeira indústria de reciclagem dirigida por catadores começa em 2005

"É um sonho realizado!". Essa é a primeira frase que vem à mente do catador Luiz Henrique da Silva, 37 anos, sobre o lançamento da primeira indústria de reciclagem do mundo – acreditam os organizadores – dirigida por catadores. O espaço, que deverá ficar pronto até o final deste ano, está instalado no bairro Juliana, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ali, serão recicladas mais de 3.600 toneladas de plástico por ano que iriam para aterros sanitários. A indústria é fruto de uma iniciativa que começou em 1987, a partir do apoio da Pastoral de Rua, e que deu início ao processo de organização social e produtiva dos catadores do Estado.

Hoje, formou-se uma rede em torno deste trabalho e oito cooperativas estão envolvidas no processo: Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte (ASMARE); Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis de Betim (ASCAPEL); Associação dos Catadores Parceiros do meio Ambiente de Igarapé (APAIG); Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Nova Lima (ASCAP); Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Pará de Minas (ASCAMP); Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Contagem (ASMAC); Cooperativa de Reciclagem e Trabalho de Itaúna (COOPERT); Associação dos Catadores do Vale do Paraopeba, em Brumadinho (ASCAVAP).

Atualmente, as cooperativas já contam com a participação de 560 catadores, beneficiando 2500 pessoas indiretamente. Só a ASMARE, por exemplo, recolhe por mês cerca de 450 toneladas de lixo contendo papel, papelão, revistas, jornais, latas de alumínio, garrafas PET e plásticos. José Aparecido Gonçalves, coordenador técnico do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável, que oferece toda a coordenação do projeto, explica que a indústria de reciclagem vem para comprovar a viabilidade destes programas, com o foco na coleta seletiva para a inclusão social e também no domínio da cadeia produtiva.

Desta forma, foi realizada uma ampla pesquisa junto às oito cooperativas para verificar a capacidade de produção, o nível de parceria com o poder público, a viabilidade econômica do projeto e também o impacto do produto no mercado. De acordo com José, a partir deste levantamento, foi constatado que o plástico seria o material com mais aceitação e ascensão comercial. A partir daí, o grupo conquistou novas parcerias para a construção da indústria. O espaço foi concedido pela prefeitura de Belo Horizonte e a infra-estrutura ficou a cargo da Fundação Banco do Brasil, da Brasil Previ e do Ministério do Trabalho.

A proposta, segundo o coordenador técnico, é que os catadores, que já têm essa alternativa de trabalho e renda, agreguem valor ao material e rompam com a cadeia de atravessadores que existe hoje. Isso porque, agora, além de recolherem o material, eles poderão industrializá-lo também. Com esse novo procedimento, terá um aumento de 100% a 150% no valor do material e os catadores poderão até dobrar a sua renda que, em média, é de um salário mínimo e meio. O grupo irá ainda capacitar 35 pessoas da comunidade local que estão desempregadas para atuarem na indústria. "O lucro será investido em novos projetos sociais. Cria-se, portanto, uma rede de reinserção social", comenta José.

Os catadores terão um acompanhamento constante de uma equipe técnica especializada, mas a tomada de decisões será feita em conjunto por todos os participantes. José acredita que, agora, os catadores, que antes eram discriminados, passam a ser vistos como empreendedores e agentes ambientais. "Você rompe com um estigma criado em torno destes profissionais. E isso vem até do poder público. Hoje, os catadores têm consciência social, econômica e ambiental", comenta.

O catador Luiz Henrique da Silva, que hoje faz parte também da diretoria da Asmare, lembra que, apesar de todas as dificuldades que eles ainda enfrentam, já conseguiram um reconhecimento da categoria e hoje contam até com o Movimento Nacional dos Catadores. Essa prática em conjunto e em rede, em sua opinião, possibilita muito mais conquistas. Ele mesmo conseguiu dar um novo rumo em sua vida depois que se engajou pra valer na cooperativa. Aos 15 anos, Luiz já recolhia materiais recicláveis nas ruas da cidade, mas acabou se envolvendo com bebidas e, durante muito tempo, teve sua vida prejudicada. "Em 1993 entrei para a Asmare e recobrei a minha cidadania. Com os diversos critérios que temos que seguir na cooperativa, eu parei de me viciar e voltei a estudar", conta.

Conquistas com dedicação
A cada dia cresce o número de pessoas que tiram seu sustento e o da família inteira da coleta e reciclagem de materias. Maria das Graças Massao, a Dona Geralda, 54 anos, conhece muito bem o que é uma vida inteira dedicada a esta profissão. Aos oito anos de idade, Geralda já estava nas ruas da capital mineira em busca de papel, papelão, plástico, e o que pudesse recolher. "Minha mãe veio do sertão com o sonho de ter uma vida melhor. Mas não foi bem assim. Ela perdeu a sua dignidade porque foi para as ruas. Começamos a passar a fome", se recorda.

Geralda conta que, diversas vezes, passou dias e noites inteiras em busca de material, sem voltar para a sua casa, um pequeno barraco na periferia da cidade. Teve 12 filhos, sendo nove vivos, e todos, assim como ela, tornaram-se catadores desde cedo. Há dez anos, seu marido também resolveu seguir os passos da esposa. "Tudo o que eu consegui foi catando papel. Dava pra sustentar a minha família, colocar comida na mesa".

Ela se recorda do preconceito e da indiferença que teve de enfrentar diversas vezes na rua. "Quando a gente estava lá separando material, chegava a polícia e o fiscal tentando tomar o carrinho. Às vezes, chegava um caminhão pipa e molhava todos nós que estávamos em baixo do viaduto. Sofri muito. As pessoas menosprezavam a gente". Mas, para Geralda, a partir de 1990, as coisas começaram a melhorar, principalmente quando teve início a formação das cooperativas. Os catadores passaram a ser valorizados e receber o apoio também do governo. "Hoje mudou muito. Antes era lixo, agora a gente tem respeito".

Geralda foi descobrindo, pouco a pouco, o valor da sua profissão. Para ela, catador é sinônimo de agente ambiental. Atualmente, Geralda tem uma função diferenciada na cooperativa. Ela dá palestras, orienta os novos catadores e recebe os visitantes. Neste ano foi ainda escolhida pela organização Ashoka Empreendedores Sociais em um programa de apoio a líderes comunitários e irá receber uma bolsa-auxílio para suas despesas.

Sobre a nova fábrica, Geralda acredita ser um exemplo para o mundo. "Agora vamos poder colaborar ainda mais com o meio ambiente, já que iremos aumentar a produção. Todo mundo ganha no processo. Acho que a população devia se conscientizar ainda mais porque é fácil fazer lixo e não se preocupar com o seu destino. É uma eternidade poluindo", destaca.

Asmare
Endereço: Av. Contorno, nº 10.555, Barro Preto, Belo Horizonte/MG
Telefone: (31) 3201-0717
E-mail: asmare@asmare.org.br

 

DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3

 
 
 

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