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Mês de Janeiro 2003

 

Lula será julgado pela sua capacidade de criar empregos

Desde que assumiu a presidência, uma das principais tarefas de Luiz Inácio Lula da Silva será a criação de postos de trabalhos. Pode ser que o governo não alcance a meta de 10 milhões de empregos prometidos durante a campanha eleitoral, nem mesmo os 8 milhões prometidos por José Serra.

Mas, em 2006, o que pesará para Lula será o balanço efetivo de empregos criados contra o de vagas fechadas. Isso porque o homem comum não mede o desempenho do governo como fazem os economistas, de olho no cumprimento das metas de inflação, por exemplo. O novo presidente inicia seu governo sob uma política de austeridade, que vai implicar um crescimento baixo em 2003 - as previsões giram em torno de 2% do PIB.

Além do mais, em consequência do desemprego, o empreendedorismo no país acontece às duras penas para aqueles que estão fora do mercado. Segundo o relatório da Global Entrepreneuership Monitor (GEM), coordenado no Brasil pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Paraná (IBQP), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), entre 37 países o Brasil está em sétimo lugar em iniciativa empreendedora. Em 2001 estava em quinto. Em 2000, em primeiro. Hoje, o país ocupa o pódio por exibir a maior taxa de abertura de negócios por necessidade: 55% dos novos empreendedores escolheram abrir deu próprio negócio não por vocação, mas por sobrevivência.

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- O duro país dos pequenos

 
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O duro país dos pequenos

Flávio da Silva queria emprego mas não conseguia. Depois da última demissão, só encontrou portas fechadas. A mulher, Marlene, sonhava com a casa própria, mas o salário de costureira garantia apenas um quarto-e-sala no cortiço. Juntaram o dinheiro das rescisões, compraram a primeira máquina usada e montaram uma confecção.

Outro paulista, Oiliznod Santana, foi de montador a supervisor de produção de uma empresa de eletrônicos, mas a fábrica faliu, o próximo posto já significou uma queda de salário e prestígio e, na busca de uma vaga, descobriu que sua renda não cessaria de cair. Quando avisou a esposa, Rosana, que abriria o próprio negócio porque não andaria para trás na vida, ela chorou. Haviam sido criados para prosperar como empregados, com salários e benefícios no fim do mês. Foram pegos pela crise, que comeu um naco do mercado de trabalho do país.

O mesmo se passava com a pernambucana Patrícia Machado, que não só perdia o serviço como teve a dignidade comprometida por cheques sem fundo passados pelo ex-patrão. Sacou as economias guardadas para pagar a faculdade, limpou o nome e iniciou uma fábrica de temperos vendendo pacotes de alho pelas ruas de São Lourenço da Mata num carrinho de mão.

É assim, sem glamour nem fogos de artifício, que se constrói o empreendedorismo do país. Relatório da Global Entrepreneuership Monitor (GEM), coordenado no Brasil pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Paraná (IBQP), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), instalou o Brasil, entre 37 países, em sétimo lugar em iniciativa empreendedora. Em 2001 estava em quinto. Em 2000, em primeiro. Hoje, o país ocupa o pódio por exibir a maior taxa de abertura de negócios por necessidade: 55% dos novos empreendedores escolheram ser patrões não por vocação, mas por dificuldade de encontrar trabalho.

'O empreendedorismo brasileiro é o da desesperança, movido pelo descrédito no emprego', afirma o economista Márcio Pochmann, secretário do Trabalho de São Paulo. 'Mais que superação da pobreza, é estratégia de sobrevivência.'

Os novos desbravadores da iniciativa privada são brasileiros empenhados não em ficar ricos, mas em manter a cabeça na superfície. Eles comandam, segundo pesquisa do BNDES, 16 milhões de micronegócios. Quase 80% deles são informais, por não conseguirem produzir lucro suficiente para arcar com o pacote tributário. O que ganham mal dá para sustentar a família, manter a empresa em pé e pagar os funcionários. 'Os efeitos sociais dos pequenos negócios muitas vezes são lamentáveis.

Não recolhem tributos, não se enquadram na legislação trabalhista nem sanitária e geram emprego de baixa qualidade', aponta o economista João Batista Pamplona, autor do livro Erguendo-se pelos Próprios Cabelos - Auto-Emprego e Reestruturação Produtiva no Brasil. 'Nesses casos, a terceirização vira precarização e as empresas para quem prestam serviço lavam as mãos.'

Na cadeia produtiva, a realidade mostra que cabe aos pequenos o quinhão mais minguado. Enquanto a empresa no topo tem os certificados ambientais e sociais exigidos pelo terceiro milênio, a base está décadas atrás na legislação, construindo um complexo mundo da produção, parte dele invisível.

As grandes empresas economizam empregos e salários sem manchar a fachada e os expulsos do mercado de trabalho fornecem matéria-prima produzida com mão-de-obra barata e desassistida. Até o terceiro ano de atividade, metade dos micronegócios e um terço dos pequenos e médios fracassam. E mais uma vez os empreendedores vão às ruas buscar caminhos para garantir três refeições por dia e futuro.

Flávio, de 45 anos, e Marlene, de 43, conseguiram chegar ao quinto ano da confecção que montaram com o dinheiro da demissão. Na parede da pequena sala nos fundos da casa alugada no bairro do Ipiranga, em São Paulo, o lema que embala o sonho de um dia desembarcar numa vida confortável: 'Saúde, coragem, perseverança'. Ele, a mulher e três costureiras trabalham 14 horas por dia sem ver a luz do sol e sem dia de descanso, montando peças que já recebem cortadas para outras três confecções de grife. Pela mais bem paga, uma blusa elaborada, recebem R$ 4. É vendida a R$ 80 nos shoppings. Entregam 6 mil unidades de modelos variados por mês. Chegam a ganhar R$ 3 mil mensais. A empresa ainda não foi registrada, as funcionárias não têm carteira assinada e recebem entre R$ 250, a menos qualificada, e R$ 600, a mais bem preparada.

Flávio e Marlene sonham com a casa própria. Hoje, a maior alegria é uma pizza à portuguesa no fim de semana. Não esperam que a filha continue o negócio. 'Ela vai poder fazer universidade e ser o que quiser', deseja Marlene. Rosa de Souza, de 33 anos, uma das costureiras, aspira a repetir a proeza dos patrões, comprar uma máquina e trabalhar por conta própria. Ela acorda às 4h20 da manhã e só volta para casa às 21 horas. Quando chove, a TV é ligada na confecção para se saber se a região em que Rosa vive alagou. Se as notícias são ruins, Rosa tem de dormir no emprego.

A apregoada criatividade do brasileiro, simbolizada pelo camelô que no primeiro pingo de água aparece com um guarda-chuva, é essa: sobreviver. O empreendedorismo ganhou mais força a partir dos anos 90, no ventre da crise que jogou milhões de habitantes de países em desenvolvimento na exclusão.

Há quem defenda a transformação de empregados em patrões como saída para o desemprego, que, segundo as estatísticas oficiais, atingiu 7% da população em 2002. Se as pequenas empresas têm papel estratégico na economia, para a maioria delas há um longo caminho entre o que o sociólogo José Pastore chama de emprego de primeira classe (salário e benefícios) e o de quinta classe (rendimento baixo e nenhuma assistência).

'Há um grande potencial para os pequenos negócios, mas é preciso reformar as leis trabalhistas e previdenciárias para diminuir encargos e burocracias', defende. 'O futuro é uma mescla de emprego e trabalho, mas a maioria ainda vive na selva da informalidade.'

Ser patrão está tão na moda que até os vendedores nos faróis das grandes cidades, esperneando contra a miséria, são chamados de microempreendedores. Exemplos de brasileiros que se fizeram do nada, calcados numa genialidade atribuída à genética verde-amarela, são pinçados para semear a idéia de que qualquer cidadão de boa vontade pode fazer seu primeiro milhão na terra das oportunidades.

Se é fantástica a história de David Mendonça Portes, o camelô carioca sem diploma que ganha R$ 5 mil por palestra em que ensina como se tornar um self-made man de sucesso, ele é a exceção, nunca a regra. Como foi em seu tempo seu colega Silvio Santos, que de vendedor de panelas nas ruas de São Paulo se transformou no milionário dono de um dos maiores grupos de comunicação do país.

O perigo é querer transformar o que foi conquistado por poucos numa possibilidade acessível a milhões de brasileiros com baixa escolaridade e escasso capital. Nessa embalagem, o empreendedorismo, que pode ser um caminho razoável para muitas pessoas e uma ótima solução para exemplos que se contam nos dedos de uma mão, chega a ser vendido como um daqueles tônicos que curam desde bicho-do-pé até câncer.

'Ao contrário dos imigrantes que se engajaram na urbanização do país, as pessoas hoje partem para fazer a vida de bases diferentes, uns com mais escolaridade e capital, outros sem nem um nem outro', diz a historiadora Tânia de Luca, autora do livro Indústria e Trabalho na História do Brasil (Editora Contexto, 2001). 'O mundo do trabalho mudou, mas o sonho da virada do milênio não é ser patrão, é ter carteira de trabalho assinada.'

Debruçado sobre o estreito balcão de seu comércio, com vista para o labirinto de vielas de Heliópolis, a maior favela paulistana, João Alves, de 31 anos, explica: 'Sou patrão não porque eu quero, mas porque o governo quer. Se pudesse escolher eu queria um emprego, benefícios, férias e horário'. Cearense, ele desembarcou no fim dos anos 80 em São Paulo, foi balconista de loja e metalúrgico.

Demitido em 1997, procurou serviço durante um ano e, depois de perder a fé com a sucessão de placas de 'não há vagas', resignou-se em ser patrão. Ganha R$ 700 por mês, trabalha 15 horas por dia de domingo a domingo, não tira férias nem tem plano de saúde. Para aumentar o lucro, aprendeu a fazer alvejantes no fundo do quintal. Tentou outros produtos de limpeza, mas não acertou a química. Atento às necessidades da clientela, sabe que quando o feijão sobe de preço ele só vai vender farinha. E vice-versa. João, como os vizinhos da favela, se vira.

'Em geral, o auto-emprego perpetua a pobreza sem garantir mobilidade social', afirma Pamplona. 'Mas para uma parcela significativa as mudanças produtivas criaram oportunidades. São pessoas que têm capital, conhecimento da área e boa rede de relacionamentos.'

O Relatório GEM 2002 mostra que a categoria mais dinâmica na criação de empreendimentos se situa na faixa de renda familiar entre seis e nove salários mínimos e tem entre cinco e 11 anos de estudo. As áreas de maior oportunidade para novos negócios são justamente as que envolvem tecnologia de ponta, como desenvolvimento de softwares e biotecnologia, acessíveis apenas a quem tem capital e conhecimento.

Na vida real, a maior concentração de pequenos negócios está nos setores de comércio varejista. Apenas 24% do total de empreendedores tem possibilidade de expansão de mercado no Brasil e só 6% pretendem exportar.

A lógica é a de sempre: para os mais pobres, os mesmos que foram atingidos pelo encolhimento da indústria, é mais difícil ser patrão. O microcrédito, empréstimo de pequenas quantias para os pobres, despontou nos últimos anos como uma das principais estratégias para capitalizar os pequenos e impedir a migração de uma parcela da população para a exclusão.

Apesar de ter se iniciado no Brasil nos anos 70, a experiência ainda é incipiente. Nos últimos sete anos foram investidos apenas R$ 130 milhões no país inteiro. Gigantes privados, como o Real ABN Amro Bank e o Unibanco, começam a se interessar pelo assunto. A Real Microcrédito lavrou seu primeiro contrato em agosto. O projeto, que só se tornará auto-sustentável em quatro anos, foi iniciado pelas regiões paulistanas de Heliópolis e Sapopemba, onde deixou R$ 100 mil em 2002.

O Unibanco assinou no fim de novembro um acordo com o Banco Mundial para a criação da Microinvest. Desde 1998, a Fininvest, controlada pelo mesmo banco, já emprestou R$ 6 milhões em mais de 4 mil créditos à população de baixa renda no Rio de Janeiro.

A operação de microcrédito é cara e bem diferente daquela a que os bancos comerciais estão acostumados. Os agentes, recrutados na periferia, batem na porta do potencial cliente oferecendo dinheiro, ajudam-no a fazer o balanço do negócio, geralmente limitado ao registro na caderneta, e verificam quanto podem emprestar com segurança. Em geral, as ações de microcrédito são colocadas no braço de responsabilidade social das corporações, com lemas politicamente corretos como 'agregar valor à comunidade'. Não visam ao lucro monetário, mas à melhoria da imagem institucional, já que o mercado financeiro é o vilão preferencial quando a economia de um país entra em crise e os tempos exigem uma embalagem colada ao social.

O montante anual de empréstimos custa mais barato - e possivelmente tem mais retorno - que uma campanha publicitária. 'Acho que se trata menos de obter uma imagem positiva e mais de evitar uma imagem ainda mais negativa', admite o gerente-geral da Real Microcrédito, Flavio Weizenmann. Executivo do mercado financeiro há 25 anos, ele emocionou-se ao visitar a Unas, entidade que reúne as associações de moradores de Heliópolis. Ao dizer que o banco já havia investido R$ 17 mil na favela, o presidente da sociedade arregalou os olhos: 'Mas isso é muito dinheiro!' Weizenmann voltou ao escritório pensativo. 'Um almoço de negócios custa mais do que o que emprestamos a cada um e eles mudam a vida', concluiu.

Os caminhos mal pavimentados das periferias reservam pedregulhos aos executivos do sistema financeiro. A Real Microcrédito, por exemplo, lançou uma linha de R$ 500 a R$ 10 mil. Constatou que seus clientes não ultrapassariam os R$ 5 mil. A grande surpresa, porém, foi a fatia de fregueses potenciais com o nome sujo na praça. O banco havia projetado uma restrição de no máximo 30%. Descobriu que quase 80% do público estava marcado nos arquivos da Serasa e do SPC. E o curioso: a maioria por não pagar os carnês das Casas Bahia, o exemplo mais espetacular de um império construído na venda a crédito para os pobres pelo judeu-polonês Samuel Klein, espécie de herói popular do capitalismo brasileiro.

Os pequenos capitalistas da sobrevivência têm mais chance de conseguir empréstimo nos programas públicos. O São Paulo Confia, da capital paulista, é um dos poucos que garantem crédito mesmo que o candidato esteja carimbado pela inadimplência ou não tenha fiador. Em um ano, já emprestou R$ 3,2 milhões a mais de 3 mil clientes. Agente da prefeitura, Silvane da Silva, de 24 anos, depara com fregueses que não querem lhe estender a mão, envergonhados pelas marcas do trabalho braçal. Despachada, ela desfaz o constrangimento: 'Se a sua mão fosse lisa, eu não dava crédito para o senhor'.

Eles são os sem-banco, exército de brasileiros que ingressaram no capitalismo na marra e para quem um aperto de mão e tratamento respeitoso é uma novidade que lhes arranca lágrimas. 'Para gente como eu, é mais fácil entrar na Nasa que abrir conta em banco', diz Marco de Oliveira, de 24 anos, que ganha a vida como sucateiro em São Paulo, usando uma área invadida como depósito, faturando R$ 300 por mês e empregando outro mais pobre por R$ 10 o dia de serviço. Espera um empréstimo de R$ 1.000 para capital de giro. 'Meu sonho não é ir para a Disney, mas poder sustentar uma família.'

Em pesquisa para a fundação alemã Konrad Adenauer, a partir de uma amostra de 200 auto-empregados da região metropolitana de São Paulo, o economista João Batista Pamplona descobriu que, entre os mais pobres, a minoria que alcança sucesso tem uma característica comum: escolha. Para eles, nenhum emprego é melhor que ser patrão de si mesmo. Donos de um projeto de vida, decidiram não ser empregados, ao contrário da maioria, que foi empurrada para o empreendedorismo por falta de opção.

É o caso de Vera de Souza, de 45 anos, dona de um pequeno bufê de comida caseira em São Paulo. 'Não gosto de ser nem mandada nem corrigida. Sou abusada', apregoa.
Vera descobriu a tão falada veia empreendedora quando não tinha dinheiro para comprar chocolate para os filhos e deu um jeito de fazer ovos de Páscoa no fogão de casa. Logo começou a vender os doces e nunca mais parou de inventar uma maneira de cumprir o projeto que a carregou no pau-de-arara um dia depois do casamento, analfabeta, do interior de Pernambuco para a maior cidade do país: telefone, televisão, carro e visitas aos parentes de avião. Do pacote de utopias, só falta o sítio. É esse sonho que tempera a rotina de 12 horas por dia sem férias nem domingo a cada vez que bota pimenta na panela para enfeitiçar a freguesia.

(Época - 07/01/03)

 
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