|
Brasil
pagou um preço alto por estabilidade, criticam candidatos
O Plano Real,
que comemora oito anos, foi o principal cabo eleitoral do presidente
Fernando Henrique Cardoso nas duas últimas eleições
e continua no centro dos debates da sucessão presidencial.
Ao avaliar o plano, os quatro principais candidatos à Presidência
concordam em ao menos um ponto: consideram que a moeda derrubou
a inflação a partir de 1994, mas deixou o Brasil muito
vulnerável a crises externas.
Para os candidatos
a sucessor, o governo Fernando Henrique não aproveitou a
estabilidade de preços para desenvolver a economia e tampouco
atacou questões essenciais, como a educação
e a reforma agrária. Mais: ao controlar a inflação,
a política prejudicou a economia. A abertura da economia
para importações; a política de juros altos;
e a sobrevalorização do câmbio até janeiro
de 1999 se tornaram, mais tarde, a exportação de empregos,
o enfraquecimento do parque industrial e a vulnerabilidade externa.
O atual governo
também não enfrentou três obstáculos
para o crescimento econômico do país: reforma tributária;
investimentos em energia elétrica; e déficit em transações
correntes (soma de exportações, importações,
viagens internacionais, pagamento de juros da dívida externa
e remessa de lucros e dividendos). Outro alvo de críticas
é o aumento da dívida líquida do setor público,
que saltou de R$ 153,2 bilhões em 1994 para os atuais R$
708,5 bilhões.
Se depender
dos argumentos dos candidatos, inclua-se aí o tucano José
Serra, não há nada a ser comemorado em oito anos de
FHC.
Leia
mais:
- Estabilidade,
mas com vulnerabilidade externa
Leia
também:
- Para o Brasil não sair dos trilhos
- Você
votaria em FHC?
- Lula
e Serra podem dizer a verdade?
|
|
Subir
|
|
Para
o Brasil não sair dos trilhos
Para consertar
o Brasil, fazê-lo crescer, reduzir a miséria e combater
a criminalidade, o próximo presidente vai precisar de uma
boa equipe, sustentação no Congresso Nacional, ajuda
dos governadores e apoio da sociedade. Não poderá
operar nenhuma transformação significativa apenas
com a força de seus ministros. Já para colocar em
risco as conquistas associadas à estabilidade, ele não
precisará de auxílio externo. Basta que cometa um
erro de operação na política econômica.
Essa é a principal conclusão de uma série de
entrevistas feitas por VEJA com 39 especialistas - economistas,
sociólogos, cientistas políticos, empresários,
banqueiros e políticos - sobre o poder real e os desafios
do próximo presidente. A propaganda gratuita na televisão,
que terá grande influência na escolha do futuro presidente,
só começa em agosto. Mas, a partir de agora, com o
fim da Copa do Mundo, a briga eleitoral estará a toda. Recomenda-se
atenção redobrada sobre o que dizem os candidatos.
Um deles ficará no mínimo por quatro anos determinando
os rumos do Brasil.
Muitos estudiosos
acreditam que, para o eleitor, essa é a competição
eleitoral mais complexa dos últimos tempos. Parecia mais
fácil escolher um candidato à sucessão de José
Sarney, pois o governo estava com baixa popularidade e havia uma
certeza: o novo presidente seria de oposição. Algo
parecido pode ser dito sobre 1994. Com o Plano Real, os votos migraram
naturalmente para o responsável pela estabilização,
Fernando Henrique. Em 1998, com o crédito obtido pelo Real,
FHC reelegeu-se prometendo emprego e conquistou o eleitorado. Ou
seja, o candidato oficial contabilizou duas vitórias seguidas,
ambas no primeiro turno. Agora, a maior parte dos eleitores diz
nas pesquisas que prefere um candidato de oposição
(Lula, Ciro e Garotinho somam 65% das intenções de
voto) e 21% deles falam em votar no candidato do governo, José
Serra. Por enquanto, a disputa se dá entre Lula e Serra.
E aí? Vai dar governo ou oposição? Ninguém
arrisca um palpite. Essa percepção de que tanto governo
quanto oposição podem vencer gera um desconforto no
eleitor. Para complicar a vida de quem vai votar, os postulantes
ao Palácio do Planalto repetem um discurso muito semelhante.
Como selecionar o melhor?
Os especialistas
ouvidos por VEJA dão um conselho: os candidatos devem ser
avaliados não pela coleção de promessas que
fazem, mas por aquilo que efetivamente podem realizar. É
muito comum que, tentando atingir o coração do eleitor,
os candidatos formulem promessas irrealizáveis. Sugere-se,
por exemplo, prevenção contra aqueles que digam que
vão diminuir significativamente a miséria e a desigualdade
social. O governo gasta 200 bilhões de reais por ano em programas
sociais. Isso evita que a miséria cresça em alta velocidade,
mas não impediu que, de 1994 para cá, aumentasse o
contingente de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Nesse
campo não há milagre possível. Só o
crescimento econômico na casa dos 4% ou 5% anuais durante
alguns anos seguidos pode mudar o triste cenário nacional.
Como todas as carências nacionais acabam, de um jeito ou de
outro, desembocando na necessidade de crescimento, há candidatos
prometendo taxas de crescimento de 4% a 5% já em 2003. Desconfie
dessa música também. Se crescer fosse uma decisão
pessoal do presidente, Fernando Henrique Cardoso já teria
dado essa ordem há muito tempo.
Outra área
em que a lorota campeia é a que trata do combate à
criminalidade. Os candidatos adoram dizer que vão colocar
os bandidos na cadeia. Todos já anunciaram medidas para atacar
o problema. Mas o governo federal não tem policiais, nem
cadeias e muito menos juízes. Toda a estrutura de combate
à criminalidade está nos Estados e nos municípios.
Eis um exemplo das dificuldades que virão pela frente. O
Rio de Janeiro está sendo afrontado por criminosos. Em um
mês, houve o assassinato brutal do jornalista Tim Lopes, a
revelação de que traficantes encomendavam um míssil
de dentro de um presídio e o atentado da semana passada contra
o prédio da prefeitura onde despacha Cesar Maia. Desde que
a crise de segurança se agravou no Rio, o governo federal,
o governo estadual e a prefeitura carioca tentam sem sucesso organizar
uma força conjunta para deter os bandidos. Não se
chegou a nenhum acordo. Assim, pode-se concluir que um novo presidente
enfrentaria a mesma dificuldade e não teria nenhum recurso
imediato para resolver o desafio. Sobre essa questão, o deputado
tucano Antonio Kandir tem uma visão realista: "Os candidatos
precisam se esforçar para não agir como se estivessem
num concurso de criatividade", afirma ele.
A título
de orientação, VEJA fez uma seleção
dos principais desafios do novo presidente, segundo os técnicos
que ouviu. E os agrupou em quatro módulos, representados
nas duas primeiras páginas desta reportagem por vagões.
No primeiro vagão estão listadas as tarefas que o
presidente deve manejar de forma técnica, do jeito que é
feito hoje, "sem criatividade". São elas: prosseguir
na política de metas de inflação, controlada
pela taxa de juros; pagar sem discussão as dívidas
interna e externa; e sustentar o superávit nas contas públicas,
o câmbio flutuante e a Lei de Responsabilidade Fiscal. "É
preciso que o próximo presidente entenda que ele já
estará dando uma enorme colaboração ao país
se for capaz de manter as conquistas econômicas dos anos recentes",
diz o ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso,
um dos especialistas ouvidos por VEJA. Em qualquer país economicamente
responsável, não se mexe em juros, inflação
nem em câmbio por um ato de vontade presidencial. Esses não
são conceitos que se discutem no campo ideológico.
Admite-se qualquer debate a respeito de como gastar o dinheiro público.
O presidente da República pode achar que o governo deve investir
o dinheiro do BNDES na agricultura familiar e nas pequenas empresas.
Ou pode determinar que o banco financie as privatizações.
São dois pontos de vista defensáveis. Porém,
a primeira tarefa é honrar os compromissos assumidos e não
mexer nas regras do jogo.
Esse conjunto
de tarefas delegadas pelo eleitor ao presidente é executado
no Banco Central. Ou seja, na atual conjuntura, o presidente do
BC é mais importante que muitos ministros, embora, formalmente,
responda ao ministro da Fazenda. Seu poder de interferência
no mercado é enorme. Ele tem total autoridade sobre o sistema
financeiro: decide que bancos podem funcionar, ordena investigações
sobre as instituições e pode liquidá-las. Também
é ele quem resolve se vai ou não emprestar dinheiro
aos bancos quando eles estão no vermelho. O maior poder do
presidente do BC está, no entanto, nas armas para determinar
tendências do mercado financeiro. Ele pode emitir, comprar
e vender títulos no Brasil e no exterior, comprar e vender
as reservas internacionais do país e alterar a política
de depósitos compulsórios dos bancos, o que determina
o fôlego que essas instituições têm para
especular. O presidente do BC não tem a palavra final sobre
as taxas de juros, mas detém a opinião mais relevante
para fixá-las já que preside o Comitê de Política
Monetária (Copom).
A gestão
do Banco Central é a única missão presidencial
que independe dos demais poderes. No passado, dizia-se que o presidente
da República precisava de dois instrumentos para governar:
a caneta para aprovar despesas e o Diário Oficial para publicar
as ordens assinadas no dia anterior. O fortalecimento da democracia
tornou a vida do presidente um pouco mais complexa e aumentou o
poder do Congresso Nacional. Legalmente, não se constrói
uma escola na periferia com dinheiro federal sem a aprovação
dos parlamentares. Algumas questões como a reforma tributária
e a reforma política, duas das transformações
mais esperadas para os próximos anos, só andam se
o candidato eleito formar maioria entre deputados e senadores. Nesse
campo, o presidente tem pela frente um desafio adicional. O Senado
Federal pode reunir um foco de resistência significativo em
função dos caciques que vai eleger: Antonio Carlos
Magalhães, Fernando Collor de Mello e Roseana Sarney estão
em primeiro lugar nas pesquisas em seus Estados.
Os oito anos
de governo Fernando Henrique Cardoso mostraram que a Presidência
perdeu toda vez que tentou impor sua vontade. FHC contou com a base
de apoio parlamentar mais sólida que um presidente brasileiro
já teve. Mesmo assim, projetos importantes, como a reforma
da legislação trabalhista, a reforma tributária
e a contribuição previdenciária dos servidores
inativos não vingaram. Faltou acordo. Porém, quando
o presidente contornou as disputas partidárias e ideológicas,
as reformas saíram. Os tucanos aprovaram dezesseis emendas
constitucionais que alteraram profundamente o Brasil. Essa marca
funciona como um alerta adicional aos candidatos que prometem mudanças
de um dia para o outro. Os projetos são aprovados em discussões
que envolvem os interesses de 27 Estados e mais de quinze partidos
com legendas que têm representação no Congresso.
Além disso é preciso superar a resistência dos
grupos que se formam além dos interesses partidários.
É o caso da bancada ruralista que reúne parlamentares
de quase todos os partidos e da maioria dos Estados. Mesmo com sua
formidável base de apoio, o presidente Fernando Henrique
gastou em média seis meses para aprovar cada emenda constitucional.
É nesse ritmo que as decisões são tomadas em
Brasília. Desconfie do candidato que prometer mudar essa
lógica paralisante de uma vez só. Seria ótimo
que ele tivesse poder para isso. Só que não tem.
(Veja)
|
|
Subir
|
|
|
|