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Responsabilidade
social vira critério para investidores
Tradicionalmente
insensível à questão social, o mercado financeiro
começa a prestar atenção em empresas que desenvolvem
ações socialmente responsáveis na hora de decidir
quem merece investimentos.
No exterior,
gigantes como o CalPERS, fundo de pensão dos funcionários
públicos da Califórnia, ou a Universities Superannuation
Scheme (USS), fundação de previdência dos professores
universitários britânicos, são alguns dos que
estão inserindo critérios de responsabilidade social
em suas políticas de investimento.
No Brasil, o
Unibanco passou a emitir relatórios de avaliação
de responsabilidade social de empresas como Perdigão, Sadia
e CST. Estes relatórios atendem a uma demanda de investidores
predominantemente internacional.
(Exame)
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Boas
ações em alta
Imagine que
você está em um supermercado e decide experimentar
um novo xampu. Há várias opções, mas
duas marcas chamam sua atenção. Parecem igualmente
boas e os preços se equivalem. Mas há uma diferença:
uma das embalagens traz escrita a seguinte mensagem: "Parte
da renda é destinada às crianças carentes da
comunidade". A outra não diz nada.
Se essa frase fez o xampu encontrar um espaço dentro do seu
carrinho, você acabou de confirmar a crescente importância
da responsabilidade social no mundo dos negócios. Mais e
mais empresas buscam melhorar sua imagem de marca, participação
no mercado e margem de lucros vinculando-se a atividades socialmente
responsáveis. Vale desde banir os testes de produtos em animais
até destinar parte dos lucros para caridade ou para custear
atividades comunitárias a fundo perdido. A idéia é
fisgar o consumidor pelo coração ou pela consciência
ecológica. De quebra, motivar funcionários e atrair
talentos.
Além
de seduzirem consumidores e funcionários, as chamadas companhias
socialmente responsáveis passaram a atrair a atenção
do mercado financeiro, tradicionalmente insensível a apelos
aparentemente emocionais. Grandes investidores institucionais no
exterior começam a olhar mais de perto as atividades sociais
e ambientais das empresas na hora de definir quais delas merecem
receber dinheiro. Gigantes como o CalPERS, fundo de pensão
dos funcionários públicos da Califórnia, ou
a Universities Superannuation Scheme (USS), fundação
de previdência dos professores universitários britânicos,
estão inserindo critérios de responsabilidade social
em suas políticas de investimento. No Brasil, o Unibanco
passou a emitir relatórios de avaliação de
responsabilidade social de empresas de capital aberto como Perdigão,
Sadia e CST.
O CalPERS é
um emblema dessa mudança. Trata-se do terceiro maior fundo
de pensão do mundo, com um patrimônio de pouco mais
de 151 bilhões de dólares (só para comparar,
o patrimônio de todos os fundos de pensão brasileiros
no fim de março era de 62 bilhões de dólares).
Até o final do ano passado, seus critérios para justificar
a compra de uma ação ou a aplicação
em um fundo de investimentos eram predominantemente técnicos,
como rentabilidade e risco.
Nos últimos
oito meses, porém, o CalPERS vem trabalhando para incluir
critérios de responsabilidade social em suas aplicações,
especialmente no caso dos países emergentes. As motivações
são sociais, mas permeadas por justificativas financeiras.
"As aplicações nesses países podem oferecer
um retorno superior às dos mercados desenvolvidos",
diz Brad Pacheco, porta-voz do fundo em Sacramento, Califórnia.
"Para justificar esses investimentos, é preciso saber
se empresas e países têm uma atuação
socialmente responsável."
O fundo britânico
USS, que vem trabalhando com critérios de responsabilidade
social desde fins de 1999, é outro exemplo da mudança.
Segundo Raj Thamotheram, conselheiro sênior de investimentos
do USS em Londres, o fundo não destina uma fatia específica
dos seus ativos de 31 bilhões de dólares para investimentos
socialmente responsáveis. As empresas têm de atender
padrões de risco e rentabilidade. No entanto, quem mostrar
uma boa ficha ecológica e social leva vantagem na briga pelo
dinheiro. "As empresas socialmente responsáveis tendem
a representar um risco menor", diz Thamotheram. "Há
menos probabilidade de prejuízos por multas ambientais ou
de que algo faça os consumidores rejeitar a marca."
Risco menor,
retorno maior. Uma combinação que faria qualquer administrador
de dinheiro correr para o telefone. No entanto, USS e CalPERS ainda
estão avaliando como usar a responsabilidade social na sua
estratégia de investimentos. No caso do fundo americano,
o trabalho deve levar mais 6 ou 12 meses, e só então
os corretores vão receber suas primeiras ordens de compra,
que não serão poucas. "Os fundos de pensão
vão colocar mais e mais dinheiro em empresas socialmente
responsáveis", diz Peter Kinden, presidente da consultoria
KLD, com sede em Boston e especializada na avaliação
da responsabilidade social de empresas americanas. Segundo Kinden,
essa mudança virá principalmente por causa da pressão
das bases, os poupadores e futuros beneficiários. "A
atuação dos fundos de pensão é mais
suscetível a demandas individuais do que outros investimentos",
diz ele.
O interesse
ainda é predominantemente internacional. As poucas iniciativas
no Brasil ao longo dos últimos anos foram esparsas e de curta
duração. No entanto, as mudanças nos fundos
de lá vêm fazendo empresas e bancos daqui voltar a
prestar atenção no assunto. O Unibanco passou a se
dedicar à avaliação da responsabilidade social
de empresas brasileiras no início deste ano. O banco envia
esse material para os seus cerca de 1 000 clientes no exterior.
"Mandamos os relatórios sem os clientes pedirem",
diz Christopher Wells, analista de responsabilidade social do banco.
"Até agora, ninguém pediu para parar." Como
as decisões de investimento demoram e o cenário econômico
para o Brasil do apagão não é dos melhores,
a conversa ainda não deu em negócio. "Mas o interesse
dos investidores é evidente", diz Wells.
Esse interesse
não vem apenas da vontade de os administradores internacionais
acalmarem sua consciência e a dos seus investidores. Boa parte
da atenção explica-se pelo melhor desempenho das ações.
O índice Dow Jones Sustainability Global, que inclui as 200
principais empresas mundiais consideradas socialmente responsáveis,
subiu 67% em dólares entre o fim de 1995 e o final do último
mês de maio. No mesmo período, o índice Dow
Jones Global que contabiliza empresas sem preocupações
sociais subiu menos, cerca de 44%. O índice de ações
"sustentáveis" exclui empresas de tabaco, bebidas
alcoólicas ou armas e escolhe ações de companhias
que comprovadamente preservam o meio ambiente e não empregam
trabalho infantil. A carteira tem 200 ações de empresas
de 33 países na Europa, Ásia e Estados Unidos. Ao
longo do tempo o desempenho dos dois índices vem se diferenciando.
Os investidores têm preferido os papéis de empresas
que pensam no social, principalmente a partir de 1995.
Esse brilho,
porém, ainda é baseado mais em convicções
do que em dados numéricos. Segundo Rosa Maria Fischer, professora
da Faculdade de Economia e Administração da USP, não
há como provar na ponta do lápis que empresas socialmente
responsáveis são mais rentáveis ou menos suscetíveis
às turbulências da economia ou às reviravoltas
do mercado. "Há inferências que mostram sua superioridade,
mas nenhum estudo científico", diz ela. "É
possível provar que elas motivam seus funcionários
e que são mais simpáticas aos clientes, mas não
que são mais rentáveis."
Como explicar,
então, o melhor desempenho das ações? Da parte
do consumidor é fácil entender. "A fidelidade
aumenta quando há uma identificação do cliente
com a empresa, não apenas com o produto", diz Marcelo
Linguitte, gerente de relacionamento com empresas do Instituto Ethos,
um dos pioneiros em avaliação social no Brasil. Consumidores
fiéis significam lucros mais constantes e maior resistência
contra os altos e baixos do mercado.
Outra parte
da resposta vem de uma intuição: as qualidades das
empresas socialmente responsáveis não se esgotam na
preocupação social. Mesmo que as ações
brasileiras ainda não mostrem diferenças de preço
perceptíveis, a responsabilidade social facilita a vida do
departamento financeiro. A Companhia Siderúrgica de Tubarão
(CST), localizada próximo a Vitória, no Espírito
Santo, e uma das empresas avaliadas pelo Unibanco, obteve duas linhas
de financiamento da agência estatal alemã KFW, no valor
total de 200 milhões de dólares e com prazos de 8
e 12 anos. Não dá para dizer que os juros foram menores.
"Mas a conversa ficou mais fácil quando nós mostramos
o que fazíamos para reduzir a poluição na região
da usina", diz Diamantino Alberto de Carvalho, gerente financeiro
da CST.
As probabilidades
de empresas socialmente responsáveis também brilharem
em tecnologia e administração de pessoal são
maiores. "Empresas com essas preocupações aglutinam
vantagens, como melhor relação com fornecedores, funcionários,
fornecedores e até com o sistema financeiro", diz o
empresário Pedro Luiz Passos, presidente de operações
da Natura, uma das dez empresas de destaque na primeira edição
do Guia Exame de Boa Cidadania Corporativa, publicada em novembro
passado. "Nada resiste a um produto mal colocado no mercado
ou a uma estratégia inadequada", diz ele. "A responsabilidade
social melhora uma boa empresa, mas não torna competitiva
uma organização que não é competente
também em outros aspectos."
(Exame)
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