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retrato brasileiro
02/12/2004
Brasil não consegue reduzir pobreza entre os negros

BRASÍLIA e RIO. Aos 44 anos, Elizabete de Oliveira Barbosa é mãe de oito filhos e avó de quatro netos. Vive numa casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro em Queimados, na Baixada Fluminense. Está separada do segundo marido. Teve o primeiro filho aos 21 anos. Sua filha mais velha, Sílvia, foi mãe pela primeira vez aos 20 anos — hoje, aos 23, tem duas meninas. Com os R$ 550 que ganha por mês trabalhando como empregada doméstica, Elizabete sustenta sete pessoas e segue, inconformada, o círculo vicioso que tem marcado gerações de negros pobres no país.

"Dizem que as coisas mudam, mas eu não vejo. Na minha vida nunca mudou nada. Nem na da minha mãe. O negro no Brasil, para conseguir alguma coisa, tem que batalhar muito. E se consegue, enfrenta preconceito. É assim", atesta.

O desabafo de Elizabete resume com precisão uma das principais conclusões do Atlas Racial Brasileiro, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O relatório afirma que, entre 1982 e 2003, a proporção de negros entre os pobres e indigentes do Brasil praticamente não se alterou. Em mais de duas décadas em que o país migrou da ditadura para a democracia, da hiperinflação para a estabilidade, do isolamento para a abertura comercial, o percentual de negros entre os pobres se manteve em torno de 65% e entre os indigentes, em 70%.

"O que observamos é que a raça é a dimensão mais estrutural da pobreza e da indigência e a mais difícil de atacar. Nem quando houve choques redistributivos com planos econômicos, como o Cruzado, a situação dos negros melhorou. A pobreza não é exclusiva, mas é muito mais intensa entre os negros e sair dela, muito mais difícil", diz o o demógrafo Eduardo Rios-Neto, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, um dos autores do Atlas.

O relatório foi apresentado ontem na Câmara dos Deputados, em cerimônia que teve a presença do presidente da casa, deputado João Paulo Cunha, da secretária especial de Política de Promoção da Igualdade Racial, ministra Matilde Ribeiro, e do representante do Pnud no Brasil, Carlos Lopes.

"O que mais chama a atenção é a persistência da desigualdade racial no Brasil", disse Lopes.

Renda e escolaridade
O extenso banco de dados organizado pelo Pnud com dados dos censos e das pesquisas amostrais do IBGE mostra, por exemplo, que mesmo comparando pessoas de mesma escolaridade, a renda dos negros é menor que dos brancos. Para José Carlos Libânio, coordenador de Avaliação de Políticas do Pnud no Brasil, está é uma prova de que a discriminação racial explica a desigualdade brasileira.

Ele chamou a atenção para os dados de renda e escolaridade. Em 2002, entre a população analfabeta, os trabalhadores brancos recebiam um salário/hora em média 33% maior do que os negros. Da mesma forma, as mulheres brancas ganhavam 12% a mais do que as negras. A disparidade mantém-se em todos os níveis de escolaridade. Assim, um homem branco com 15 anos ou mais de estudo recebia um salário médio por hora de R$ 18,32, contra R$ 12,41 do negro.

"Este quadro expressa o racismo nas relações do trabalho neste país, que aprofunda as desigualdades. Ele está institucionalizado no Estado e na sociedade brasileira", disse Matilde Ribeiro.

Para o ministro da Educação, Tarso Genro, a desigualdade racial está ligada à origem histórica da população negra, que chegou ao Brasil na condição de escrava:

"Não creio que exista racismo no sentido de ódio de raça contra raça", disse Tarso ao GLOBO, admitindo, no entanto, que os negros pobres sofrem uma discriminação dupla. Eles seriam discriminados pela condição socioeconômica e pela raça, enquanto os pobres brancos enfrentariam só o primeiro tipo.

O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) do Ministério da Educação já mostrou que os alunos negros tiveram pior desempenho do que os brancos, mesmo em famílias da mesma faixa de renda. Para técnicos do ministério, o mais provável é que o aluno negro seja vítima de racismo, mesmo que subliminar, na sala de aula. Tarso defendeu a política de cotas para negros nas universidades. João Paulo também.

O relatório traz estatísticas sobre saúde. Mostra que a esperança de vida dos negros é cinco anos menor que a dos brancos. E que o acesso a hospitais é desigual entre os dois grupos e que a mortalidade infantil ainda é maior entre as crianças negras, embora venha caindo nos últimos anos.


DEMÉTRIO WEBER
FLÁVIA OLIVEIRA
do jornal O Globo

   
 
 
 

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