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internautas sociais
18/05/2005

Internet também é espaço para discussão de temas como consumo consciente

Discussões sobre conceitos como consumo consciente, economia solidária, rede de trocas, responsabilidade social, entre tantos outros, saem dos bancos das universidades ou de eventos específicos com a presença de estudiosos, para ganhar mais adeptos por meio da internet e, principalmente, a juventude. Uma das ferramentas que tem servido para ampliar estes debates no meio virtual é o Orkut. Este é um banco de dados virtual, criado pelo programador do Google (site de busca), chamado Orkut Buyukkokten, nos Estados Unidos, e que vem ganhando cada vez mais os brasileiros.

No Orkut, os internautas após serem convidados pro alguém que já participa do grupo, cadastram seus dados e características em geral, e podem procurar pessoas, adicioná-las ao seu grupo de amigos, criar e participar de comunidades. E é neste espaço, que surgem a cada dia, novas comunidades que reúnem desde estudantes, profissionais, ativistas de movimentos sociais ou curiosos para debater temas sociais e em voga no terceiro setor. São pessoas de diversas partes do Brasil e até do exterior que se unem para trazer estes assuntos para pauta de debate. Numa rápida busca no Orkut, é possível encontrar quatro comunidades com o tema "economia solidária" ou "economia social". A maioria criada no segundo semestre de 2004 reúne juntas cerca de 500 internautas interessados no tema. Uma única comunidade sobre "responsabilidade social" reúne em média três mil pessoas.

Os motivos que levam estes internautas a criar ou simplesmente participar destas comunidades são diversos: interesse pelo assunto, a atuação profissional ou a vontade de conhecer mais. O interessante, no entanto, é que as informações sobre os assuntos se espalham e as idéias dos jovens se aprofundam com a troca de experiências. "É importante participar de ações como esta, nas comunidades, porque discutir estes assuntos é o mesmo que discutir o desenvolvimento econômico, que busca o bem estar da sociedade, diferente do crescimento econômico. É discutir a política, é começar a se conscientizar e buscar uma sociedade e quem sabe um mundo melhor", comenta Ana Carla Cunha, 23 anos, economista e criadora de uma comunidade sobre economia solidária. Para Flávia Teixeira, relações internacionais, participante de uma comunidade a respeito do consumo consciente, significa mostrar para a sociedade civil a importância de sua participação como sujeito político.

A conscientização aparece, portanto, como foco central desses grupos de internautas. A comunidade sobre consumo consciente, por exemplo, já expõe na sua primeira página para que veio: "Uma comunidade para refletir sobre os impactos que o comportamento de um mero consumidor pode ter". E traz ainda pensamentos. "Nós não somos audiência, usuários finais ou consumidores. Nós somos seres humanos - e nosso alcance vai além de sua compreensão. Encare isso". (Manifesto Cluetrain).

Daniel Madsen, 21 anos, estudante de Ciências Sociais, e criador da comunidade, explica que ela é ainda pequena, mas as pessoas que participam são realmente interessadas, com uma "visão desconfiada do discurso presente na publicidade, nas novelas, no 'senso comum' sobre o que é consumir, para quê serve e a quem". "E isso é um ótimo potencial, pois de forma rápida posso alcançar pessoas que realmente importam, algo que os publicitários sofrem pra descobrir como fazer", comenta o jovem, que inicia diversos fóruns de discussões em sua comunidade. Um deles tinha como tema: "Ora, o consumo!. Por que não?".

E essas reflexões são constantes para Daniel, que acredita que consumo consciente é um instante de hesitação, "uma pausa para suspender a inércia constante com que fazemos nossas ações cotidianas de consumo". "Elas estão presentes no dia-a-dia do habitante urbano, por exemplo, mais do que qualquer outra coisa. Isso em si já é algo que merece alguns pensamentos. Mas, além disso, é preciso haver reflexões sobre a cadeia de conseqüências. Em outras palavras é trazer à consciência, para dentro do que consideramos como 'efeitos de nossas ações', fatos e relações que sempre foram ocultadas, deixadas de lado pela visão tipicamente individualista da sociedade de consumo".

Já para a participante desta comunidade, Graziella Giannini, 23 anos, estudante de jornalismo, consumo consciente é consumir sem excessos e exageros. "Não é apenas consumir somente aquilo que é ecologicamente correto, mas sim, consumir, reciclando a embalagem após o uso, comprando em um lugar de preço acessível, conferindo se a empresa é politicamente correta, se não faz uso de animais para testes e para abuso de utilização", comenta.

Do discurso à ação
E mais do que apenas discutir, os jovens participantes destas comunidades começam a colocar os conceitos em prática. A jovem Graziella Giannini aponta o que faz no dia-a-dia em relação a este consumo. "Em casa o lixo é reciclado, só compro se realmente for necessário e depois de grandiosas pesquisas de preço, custo-benefício, qualidade do produto e sua origem".

Já Mauricio Falleiros, 35 anos, instrutor de yoga e participante da mesma comunidade sobre consumo consciente, vai um pouco além. Ele afirma que se possível, não compra os produtos e faz ele mesmo. Agora, se precisar consumir, será o produto mais natural, reciclável e próximo possível, para diminuir transportes, evitar importação, privilegiar pequenos produtores e comerciantes, além daquele que tenha a melhor relação custo/benefício. Mauricio acredita que, com estes parâmetros fundamentais, ele irá gerar o mínimo possível de resíduos, preservando assim o ambiente, além de dinamizar as relações locais e evitar em contribuir com a concentração de renda gerada pelas grandes distribuidoras. Ele já começou também a fazer compostagem caseira do lixo orgânico.

Mas essa disposição em colocar em prática estes "conceitos" não ocorre somente quando o assunto é consumo consciente. Os jovens se envolvem em ações práticas no dia-a-dia e em suas comunidades e já avaliam resultados nestes locais. André Miami, 28 anos, militante da ONG ambientalista chamada Bio-Bras e criador da comunidade sobre rede de trocas, por exemplo, conta que na sua profissão - desenvolvedor de sites - sempre que possível tenta dar a opção de realizar alguma troca com os clientes.

"A última troca foi antes de sair de viajem. Consegui a melhor mochila que eu podia ter para a minha viagem. O meu cliente conseguiu o sistema que ele queria e uma terceira empresa conseguiu saldar parte de um débito que tinha com esse cliente", explica. Além disso, enquanto estava no Brasil - agora mora em Montevidéu, no Uruguai, para estudar a Economia Solidária por lá - participava da Feira de Trocas na cidade de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, além da feira do Centro Cultural Jacutinga.

Para ele, os benefícios aos participantes de uma rede de trocas são diversos, como a valorização e recuperação do ser humano. "Partindo do princípio de que todas as pessoas têm talentos para alguma coisa e que apenas a economia formal baseada em uma falsa escassez não valoriza todas as formas de economia, muitas dessas pessoas começam a ver seus talentos sendo novamente requisitados, o que faz com que se sintam úteis novamente para a comunidade. Começamos a compreender que é possível criar nossa própria moeda social para destravar essa produção, comércio e consumo que está travado".

Já Renata Ártico, cientista social, 26 anos e participante de uma comunidade sobre economia solidária, vivenciou na prática o dia-a-dia de um projeto com este enfoque. Durante a gestão da prefeitura Marta Suplicy, em São Paulo, a jovem trabalhou na Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS), num programa social chamado "Oportunidade Solidária". O programa atuava no estímulo e na organização da população que vivia abaixo da linha da pobreza em cooperativas e micro-empresas. O objetivo era, principalmente, à emancipação do beneficiário no seu auto-sustento sem, no entanto, abrir mão da perspectiva do trabalhador como ser humano, promovendo, dessa maneira, geração de trabalho e renda por meio de iniciativas de economia solidária.

A partir dessa experiência e como pesquisadora atualmente, a jovem consegue analisar os benefícios dessas ações, tanto no âmbito econômico quanto os impactos subjetivos, que reforçam a cidadania dos trabalhadores e a coesão da comunidade. "O trabalho em grupo não-hierarquizado, assim como a divisão equânime dos lucros entre os membros de uma cooperativa organizada com base nos princípios da economia solidária, propicia uma cultura diferente daquela na qual, via de regra, este trabalhador está inserido. O trabalhador da economia solidária aperfeiçoa os elos de solidariedade para com os outros cooperativados, já que percebe que seu trabalho depende também do trabalho dos demais. E esta forma de organização do trabalho é contrária àquela que o lucro pelo lucro, contrária à individualidade postulada pela economia capitalista neo-liberal. Ela é importante, principalmente, na reorganização do mundo do trabalho e das relações humanas", avalia.

Participação precisa aumentar
Mas, o que interessa para os participantes das comunidades sobre os temas apontados, independente da motivação inicial, é que os conceitos se expandam cada vez e ganhe novos adeptos para a causa. E parece que a idéia está dando certo. Rafael Tomy, 29 anos, estudante de Ciências Sociais, por exemplo, havia ouvido falar sobre economia solidária, mas não conhecia muito bem do que se tratava. No orkut, encontrou uma comunidade sobre o tema e resolveu participar para se informar melhor.

Hoje, apesar de ainda não conhecer com profundidade o tema e não saber até mesmo apontar em que locais esses projetos estão ocorrendo, ele já consegue apontar os benefícios que ações com este enfoque podem ter. "Estas experiências são importantes como alternativas viáveis ao modo de produção mercadológico-consumista típico do sistema capitalista. O maior benefício é as oportunidades para as comunidades produzirem e comercializarem em concorrência justa com grandes corporações".

Assim como Rafael, outros internautas podem se interessar pelos temas das "comunidades sociais" e virem a se engajar nas ações. Alguns participantes acreditam que os jovens se interessam por estes temas, como avalia Marcus Vinicius Bonfim, relações públicas, 26 anos, e criador de uma comunidade sobre economia solidária. "Os jovens se interessam e muito pelo tema. Há um engajamento social muito importante que a economia solidária desperta. O sentido de cooperação é muito forte. O caráter revolucionário contra o capitalismo vigente encontra muito eco na juventude, por excelência uma época de muito idealismo".

"Os jovens nos anos 80, por exemplo, não eram tão preocupados em consumir com consciência. Já os jovens da década de 90 são mais interessados no tema. Hoje, temos mais formas de descobrir sobre o assunto, acesso à internet, leitura acessível, dentre mil outras formas de se saber sobre o assunto", comenta Graziella, destacando que, com essas novas informações disponíveis, não é fácil mais enganar o consumidor. "Se você diz que sua embalagem é reciclável e ela não é, pode ter certeza que não terá mais aquele consumidor comprando nenhum de seus produtos".

Outros, no entanto, acham que ainda há um longo caminho a percorrer. "Muitos optam pelo caminho mais fácil. Alguns acham, com algum acerto, que dar um passo é melhor que ficar parado e, com muito erro, que isso já é o suficiente. Muito poucos vão até o fim, mergulham de cabeça, corpo e alma", acredita Mauricio. Mas é preciso, na opinião dos participantes, fazer muito mais para que a população brasileira se torne mais consciente sobre novas posturas a assumir.

Para Cláudio Gonçalves Mello de Souza, 25 anos, estudante de Economia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a participação e articulação das pessoas precisar ser maior e, para que isso possa ocorrer, é necessário divulgar mais as ações de economia solidária, mostrando que existem pessoas necessitadas de ajuda devido aos problemas sociais que o país enfrenta. "Vivemos uma situação de recessão austera desde 1997 com um leve desenvolvimento em 2004. Se o mercado de trabalho formal não absorve anualmente o total de formandos nas universidades brasileiras (mão-de-obra qualificada e formadora de opinião), que dirá então as pessoas que estão desatualizadas, que não têm a capacitação necessária exigida pelos empregadores?. O governo tenta fazer sua parte, mas com essa política recessiva não vai obter tanto sucesso", acredita.

Na opinião de Marcus Vinicius Bonfim, falta uma maior consciência sobre o que é e quais são as propostas da economia solidária. "O mundo capitalista vende conceitos como responsabilidade social das empresas, mas o que de concreto fazem?. Apenas ofertam as migalhas, o peixe mesmo está escondido, o banquete dos 'escolhidos' é para poucos. A grande imprensa e a sociedade como um todo só enxerga esses valores, como consumo consciente, comércio justo, por exemplo, quando as empresas entram no circuito e mimetizam isso e transformam tudo sob a marca da responsabilidade social. Mas as pessoas que já atuam em economia solidária têm muita consciência do seu papel e sempre buscam reforçar os conceitos".

Mas não é somente Marcus que pensa sobre essa forma. Os participantes destas comunidades acreditam que a responsabilidade das empresas deve ir muito além do discurso. Muitos avaliam, assim como Daniel Madsen, que as tentativas no meio empresarial ainda são tímidas e fracas. "Não dou a mínima para essas coisas. Elas atravancam ao invés de estimular. Para, as empresas estão apenas testando o potencial de vendas de suas atividades sociais, ver qual é o mínimo necessário que precisam gastar com isso pra deixar seus conscientes consumidores satisfeitos. Isso não muda sua forma essencial de pensamento, de visão das coisas. Uma visão utilitarista, própria da sociedade de consumo. O consumo consciente ainda não entrou nas empresas", acredita.

Para André Miami, o que está ocorrendo atualmente é uma exposição excessiva dos temas como comércio justo e consumo consciente e de alguns empreendimentos interessados em criar um diferencial mercadológico para seus produtos. Ele aponta que até mesmo em espaços em que esses conceitos deveriam estar presentes, como o Fórum Social Mundial de 2005, muitos empreendimentos que lá estavam de solidário só tinham o nome.

"Muitas empresas vem se beneficiando do potencial das trocas, criando verdadeiros sistemas de compensação financeira alternativa aos sistemas bancários. Porém, as empresas em geral ainda tiram o seu lucro da exploração de trabalhadores ou ao custo da exploração do meio ambiente".

Por isso, os jovens querem fazer mais. Daniel conta que seu "próximo passo" será mobilizar pessoas para criar um portal de consumo consciente cuja produção seja colaborativa e completamente horizontal. "A idéia é abrir possibilidades, e sei de muitas pessoas que, como eu, não querem ser heróis nem ter seu nome na história de uma bandeira social. Querem simplesmente fazer parte de uma multidão caótica de iniciativas transformadoras, e para isso, precisamos sempre pensar num aumento, de preferência descontrolado, do volume dessa multidão", aponta o jovem.

DANIELE PRÓSPERO
do site setor3

   
 
 
 

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