I - Apresentação
Portugal traz 16 escritores para rever relação com Brasil


CYNARA MENEZES
da Folha de S. Paulo

Não são tantos como os que vieram com Cabral, mas uma nova invasão de portugueses acontece agora, 500 anos depois do Descobrimento. Uma comitiva de 16 autores vem de Portugal para participar da Bienal de São Paulo.

O grupo reúne historiadores, romancistas, ensaístas, poetas, críticos e sociólogos -escolha diversificada que tenta fazer o Brasil redescobrir a produção intelectual de Portugal.

Em Lisboa, a Folha conversou com alguns dos convidados para a Bienal sobre um tema que, em tempos de celebração do "aniversário" brasileiro, ainda perturba as cabeças daqui e do além-mar: a quantas anda a relação entre os dois países?

Literariamente, não parece haver nenhuma, segundo dizem os de lá. "A literatura portuguesa não conhece a brasileira", diz o crítico e professor de literatura brasileira Abel Barros Baptista.

O romancista Augusto Abelaira, 74, autor de "Bolor", com presença ainda não confirmada na Bienal para o lançamento de "Outrora Agora" (Lacerda Editores), acha que há uma ignorância mútua, mais forte pelo lado brasileiro que do português.

"A literatura brasileira já foi lida em Portugal, entre os anos 30 e 50, quando os escritores brasileiros influenciavam os portugueses. Jorge Amado foi muito lido. Já o Brasil nunca se lembrou de Portugal, salvo no século 19, em que leu Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco", afirma.

"Nesse período, houve intercâmbio, escritores portugueses escreviam crônicas nos jornais brasileiros, coisa que hoje não acontece. De qualquer maneira, Machado de Assis nunca foi conhecido em Portugal como Eça foi no Brasil."

Os hábitos de leitura do português não incluem os escritores brasileiros porque, diz o escritor, "não se tem acesso à cultura brasileira, não há livros brasileiros em Portugal. Se tem, são caros, assim como o livro português no Brasil. E isso não convida".

Abelaira vê também um certo preconceito do brasileiro "colonizado" em relação ao português "colonizador".

"Sabemos dos terrores provocados pelos espanhóis por meio dos livros de inúmeros escritores de lá. Há uma vasta literatura feita por espanhóis sobre os malefícios da colonização espanhola, mas da portuguesa não há. Os próprios espanhóis são responsáveis pela má fama que têm", diverte-se.

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos, professor da Universidade de Coimbra -que se define como um "otimista trágico"-, acha que as relações entre Brasil e Portugal têm tudo para se intensificar nos próximos anos.

"Não podemos ser miserabilistas, as relações existem. Neste momento há um interesse mútuo", acredita, embora recorde antigas discussões, no Brasil, sobre as supostas vantagens que teria uma colonização anglo-saxônica em detrimento da ibérica.

"O que sei é que, no concreto, quando nos encontramos, uma química se estabelece. Não só na língua, mas em nossa própria maneira de estar no mundo, em nossa forma de não sabermos ter razão sem emoção", diz. "A questão básica é conhecer-se. Isso resolveria grande parte do problema que nós temos. Se não se conhecem, os estereótipos são recíprocos. À medida que a gente se conhece os estereótipos caem."

Sobre as comemorações dos 500 anos, diz: "Acho que se os brasileiros tiverem idéia de que têm pelo menos mais 500 anos pela frente, vale a pena comemorar. Houve muita coisa que não valeu a pena, todo passado tem seu lado escuro e seu lado diurno. Os brasileiros devem é preparar os próximos 500 anos".

O mais conhecido escritor português depois de José Saramago, António Lobo Antunes -que não vem à Bienal por causa do lançamento de suas obras completas na Espanha-, é mais duro: "Acho importante para os políticos, as pessoas passam ao largo. Não é motivo de grande alegria que 500 anos atrás tenha chegado uma caravela ao Brasil. Quem vive no passado não vive o presente e não vive o futuro."

A jornalista Cynara Menezes viajou a Portugal a convite do Icep (Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal)

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