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O novo está morto
Gilles
Lipovetsky, autor da bíblia dos fashionistas “O Império do Efêmero”, defende
agora que a moda será menos importante no século 21
Reprodução
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Vestido
em linha A
feito por Courrèges em 1968 |
ERIKA
PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA
O filósofo
francês Gilles Lipovetsky tornou-se caro ao mundo fashion ao escrever
O Império do Efêmero (1987), em que se dedica
a dissecar as frívolas _no bom sentido_ engrenagens da moda. Tornou-se
também alvo de críticas do meio acadêmico porque,
como ele mesmo diz na introdução do livro (publicado aqui
pela Companhia das Letras), a questão da moda não
faz furor no mundo intelectual.
A moda muda incessantemente, mas nem tudo nela muda, escreve
Lipovetsky no livro, o mesmo em que celebra que em nossos dias,
ama-se o Novo por ele mesmo. Em São Paulo para um curso de
cinco dias na USP _que termina hoje_, Lipovetsky decreta: O Novo
tem menos valor. Segundo ele, o paradoxo é que hoje,
justamente quando a lógica da moda toma conta de tudo, ela se torna
menos importante. Lipovetsky aponta a tecnociência como a
grande aventura do Novo.
*
Folha - O sr. fala, em Império do Efêmero,
que o Novo é um valor. Por que a paixão pelo Novo na moda?
Gilles Lipovetsky - Ao contrário do que se pensa, os homens
nem sempre foram fascinados pelo Novo. Durante milênios, o Novo
não era um valor. As sociedades funcionavam tendo o passado como
valor central. O que conta então é justamente o que não
muda, os valores tradicionalistas. Por volta do século 14, num
nível emblemático, se dá a invenção
da moda no Ocidente, no seio das sociedades ainda aristocráticas.
A moda opera essa inversão: coloca o Novo como prioridade e instalando
a valorização do presente. A partir do fim da Idade Média
é que começa a grande aventura do Novo dentro da sociedade
ocidental, sucedida e prolongada, a partir do século 18, por uma
cultura fascinada<BF> <XB>pela novidade _pela moda_, uma cultura
fascinada pelo apelo do progresso _é o Século das Luzes.
Penso que o tempo em que a moda era vista como modelo da novidade terminou.
Sei que parece uma provocação esse paradoxo. Naturalmente,
sempre há inovação, mas há 20 anos a moda
é menos uma espera e mais alguma coisa que faz parte da construção
de uma identidade social. Um fato para ilustrar isso é que a moda
sai menos de moda. Quando Roland Barthes escreveu seu O Sistema
da Moda (1967), ele disse que a moda é um sistema organizado
pela diferença entre estar na moda e estar fora de moda. Ainda
era um tempo em que as mulheres elegantes deveriam correr rápido
_e o tempo é algo muito importante aqui_ atrás da moda,
desde quando ela era lançada. O par estar na moda/estar fora
de moda está menos claro.
Estamos numa situação nova, em que é muito difícil
estar fora de moda. A moda não é mais imperativa. Se você
não comprou o último Issey Miyake ou Galliano, você
não está fora de moda. Hoje em dia isso pode parecer evidente,
mas é completamente novo _isso é novo. Nos anos 60 isso
não era evidente _eu diria que a minissaia fez a divisão
desse sistema, como a última criação autoritária.
Todas as mulheres obedeciam aos ditames da moda. Agora você tem
um fenômeno totalmente inédito: a moda continua criando a
novidade a cada estação; há os lançamentos,
mas você não tem mais obrigação de segui-los.
O Novo tem necessariamente menos valor. No auge da alta-costura, com Chanel,
Dior, todas as mulheres do mundo inteiro seguiam, era imperativo. O segundo
ponto é a imprensa de moda. Antes as mulheres olhavam jornais e
revistas para saber o que era a moda e para comprá-la o mais rápido
possível. Hoje elas o fazem para ver o que combina com elas. Hoje
em dia a cultura é midiática, e eu diria mesmo que é
a tecnologia que exprime o império do Novo. A hipertecnologia hoje
em dia encarna mais a fascinação e a força da novidade
do que a roupa.
Finalmente, é preciso dizer que as mulheres ganharam uma margem
de liberdade na aparência. Elas querem gastar mais tempo e dinheiro
em conservar o corpo jovem e belo do que em comprar roupa. Essa dinâmica
não é uma coisa pequena, é uma tendência de
fundo que vai se prolongar pelo século 21. As mulheres não
se importam mais em ter o mesmo vestido que a amiga. A moda é muito
menos distintiva. A lógica do Novo ganhou toda a sociedade, é
a expressão da sociedade moderna. O paradoxo é que hoje,
justamente quando a lógica da moda se estende e toma conta de tudo,
é que ela se torna menos importante.
Folha - Isso completa a sensação de crise que parece
tomar conta dos estilistas, que se sentem reinventando a roda? E qual
seria a expressão da sociedade no século 21, já que
a moda vai perder essa função?
Lipovetsky - Concordo com você. Não vejo grandes rupturas,
grandes inovações na produção de moda de 20
anos para cá. O grande momento da moda foi de 1850 a 1970, quando
ocorreram as grandes revoluções de estilo que marcaram a
aparência feminina moderna. As pessoas não conhecem os estilistas
modernos. Dior, nos anos 50, era uma celebridade internacional. Christian
Lacroix, está bem, é conhecido. Mas Monica Lewinsky é
muito mais conhecida do que Lacroix! Eu também acho que, no século
21, a criação cultural em geral será numerosa, mas
cada vez menos vai representar um impacto de força inovadora. É
como se a cultura se tornasse um elemento decorativo na vida, e não
como ela foi sempre, algo central. A arte já deixou de ser sublime
e se transformou numa espécie de lógica consumista, justamente
como a moda. Se você vai ao castelo de Versailles ou à capela
Sistina, há a categoria do grandioso, do sublime _o que não
temos mais. Não que não haja coisas bonitas ou que haja
baixa de criatividade. Mas essa criatividade é dessublimada
e, entrando nessa lógica de espetáculo puro, a arquitetura,
o design e a moda entram no consumo. É como se não houvesse
essa distância entre a vida e a cultura. A grande aventura do Novo
e do amanhã é a tecnociência. Não há
mais grandes visões ideológicas de mundo em confronto, como
antes. As vanguardas estão mortas! Tudo vai continuar muito bem,
não é catastrófico, mas simplesmente a cara de nossa
sociedade não vai mais ser modelada pela cultura, mas pelo laboratório.
Nada, mas nada mesmo, vai rivalizar com o poder e com a potência
da tecnociência. Quando os revolucionários do século
18 vieram com a idéia de República, aquilo era gigantesco!
Hoje em dia, o que pode rivalizar com isso? Talvez a clonagem, a manipulação
dos seres vivos, a grande revolução da biologia que avança
pelo século 21. O grande Novo está lá. E nas outras
esferas, há a novidade, mas é um Novo para distrair, epidérmico.
Folha - O Novo velho?
Lipovetsky - Ultrapassado. O grande vetor do Novo não é
mais a cultura, mas a tecnociência.
Folha - Mas o sr. não acha que pode vir, como nos anos 20 ou
60, uma grande força jovem que possa usar esses elementos da tecnologia,
como por exemplo as inovações têxteis, os tecidos
inteligentes ou com chips, para produzir um vestuário que possa
corresponder a essa fascinação pela tecnociência?
Lipovetsky - Acho que isso pode acontecer. Não quer dizer que
os criadores não possam usar as novas potencialidades, como a partir
dos anos 50, com os tecidos sintéticos, o náilon... Isso
vai dar novas idéias, mas eu não creio que essas novas tecnologias
vão transformar esse cenário. O sentido da vida e a importância
das coisas estarão em outro lugar: no esporte, no lazer, nas viagens,
na juventude... A roupa foi emblemática em relação
à posição social durante séculos. Hoje ela
precisa ser prática, divertida _especialmente para os adolescentes,
que ainda permanecem dentro da lógica antiga, em que a novidade
é importante. E como terceiro ponto, a questão da sedução.
As mulheres estão procurando outras maneiras de seduzir, além
de apenas pela roupa _e isso é um novo paradoxo.
Folha - O sr. acredita no surgimento de um novo corpo, baseado não
somente na conservação, mas na construção
de uma nova silhueta, moldada dentro dos interesses e das vontades pessoais?
Lipovestky - Sim, essa é uma discussão capital. Mais
que isso, é algo que está obcecando as mulheres. Há
as novas tecnologias, os medicamentos, a cirurgia, o laser... Muitas coisas
que trazem a possibilidade de agir sobre o corpo. Antes não havia
isso, as pessoas escondiam o corpo _se vestiam. O segundo ponto essencial
é o prolongamento da vida. As mulheres hoje vivem mais tempo. Elas
querem viver mais e viver mais tempo jovens e conservadas. Ao longo do
século 20, a grande revolução, desse ponto de vista,
é que as mulheres não querem mais suportar seu corpo, elas
querem mudá-lo. Acusam a publicidade e as imagens das top models
pela fascinação das mulheres pela magreza, mas eu não
acho que isso seja verdade. Isso é apenas uma parte da realidade.
Ao longo do século 20, o culto à magreza se implementou
de uma cultura moderna, demiúrgica. Antigamente, nascer, comer,
engordar, envelhecer era uma coisa da natureza e se dizia que a beleza
era um presente de Deus. A modernidade recusa o destino. A modernidade
é prometeica, e a magreza é a expressão de um desejo
moderno de esculpir seu próprio corpo, sua própria beleza.
As coisas se complicam porque existe uma segunda razão: a magreza
é associada à juventude. Ao mesmo tempo elas não
querem ser apenas magras. É a questão que você estava
colocando. Acho que o corpo feminino é uma lógica que combina
os valores antigos e os valores modernos: o ativismo e o valor mais tradicional,
que é a sedução, nas formas femininas. É aí
justamente onde a moda ainda pode atuar.
Leia mais: O pensador
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