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O messias da moda

O consultor inglês David Shah, um dos mais importantes especialistas em marketing de moda, prevê as tendências

DA REDAÇÃO

Divulgação
O publisher inglês David Shah

O publisher inglês David Shah esteve no Brasil para o primeiro Congresso Latino-Americano de Criadores de Moda, que aconteceu no Rio de Janeiro em julho. Editor da “ViewPoint”, a bíblia do consumo e do comportamento globais, que lida com marketing, publicidade e moda. “Nosso objetivo é alertar as pessoas em posição de decisão num estágio inicial de planejamento de mercado e de mudanças de comportamento que possam influenciar seu design, estratégias de venda e planejamento de pesquisa”, decreta Shah em editorial da revista. Formado em latim e grego pela London University, Shah, 49, vive em Amsterdã (sua irmã mora em Salvador, onde tem uma escola de inglês).

Viaja o tempo inteiro em palestras e consultorias, fala pelos cotovelos e demonstra incrível energia e paixão por seus assuntos. Só não revela mesmo como identifica as tendências e mudanças de comportamento. “A publicidade é a melhor maneira de observar essas coisas, é um ótimo indicador. E, claro, têm sensibilidade para transportar as mudanças de uma área de atuação para outra e ver o que existe em comum entre elas.” “O marketing de moda atualmente é uma disputa de quem coloca as pessoas certas assistindo ao desfile certo, nas festas. É uma luta de quem consegue mais centimetragem nos jornais”, diz. Para Shah, o próximo passo será observar que as pessoas estão cada vez mais associando as marcas ao seu estilo de vida, e não só a uma imagem. “A publicidade da moda, mais uma vez, vai precisar sair do formato bidimensional, com imagem e marca em outdoors e anúncios de revista, e ir para a televisão, por exemplo. Ou para o humor, como a Gap está fazendo. As marcas vão adaptar suas campanhas a um público muito específico e seu estilo de vida, não só à sua imagem.” (ERIKA PALOMINO)

*

Folha - Gostaria de saber sobre você, seu trabalho, seu background, como você sente começa as tendências?

David Shah -
Vamos voltar 10, 20 anos atrás, quando todo esse sistema era liderado pelos “previsores de tendências”. Quanto maior e mais importante você era, mais fortes seriam as tendências por você impostas. Mas de repente as pessoas começaram a ficar cansadas de seguir tendências. Aos poucos, as pessoas começaram a querer ditar suas próprias vidas, seus próprios costumes e tendências. Pessoas influentes como arquitetos e designers decidiram que eles queriam ter seu próprio estilo. Foi quando o individualismo surgiu no mercado. Hoje em dia você anda por aí e o que você ouve é que nós temos de ser nós mesmos etc. É o espírito da individualidade atingindo também o mercado.

Folha - Como tornar as coisas individuais?

Shah -
Eu uso isso como vantagem e dou um acabamento final que será o meu toque pessoal, ou seja, customizo a mim mesmo. E foi por causa disso que eu fiz a revista ‘Viewpoint”. É mais do que o que vai sair nas próximas coleções. Hoje em dia, você tem que procurar entender o consumidor antes de desenhar uma coleção, e isso não significa entender o consumidor pelo que ele quer da sua loja, e sim entender a forma como ele vive, o que ele faz em casa, na cozinha, como ele come, o que ele quer da vida. Então a moda hoje em dia é realmente ter um entendimento maior de cultura e mercado. Se eu quero fazer roupas, eu tenho que entender sobre esse assunto no geral, eu viajo, converso com as pessoas, olho seus guarda-roupas, percebo como elas vivem e então eu posso fazer as roupas. E isso não é assim tão fácil, mas é o que nós tentamos fazer.

Folha - E sobre a questão da idade?

Shah -
Outro método é compreender os diferentes grupos. Quando eu era pequeno, havia sete idades para os homens. Bebê, criança, em seguida uma criança-adolescente, um homem jovem, então você se casava, atingia a meia-idade e por fim envelhecia. A diferença é que a juventude hoje está completamente mudada. O mercado quer atingir crianças de 5, 6 anos. A chave é como vender para os jovens. Note que todas as empresas americanas que querem atingir um público mais jovem, como Coca-Cola, Nike, fazem seu marketing em cima de rapazes com gosto por esporte ou meninos que freqüentam guetos. Todos estão tão obcecados pela juventude. Todos estão de olho nos jovens.

Folha - Nos anos 90 houve o que eu chamo de segundo terremoto jovem, e é surpreendente a semelhança com os 60...

Shah -
Certo. Nós tivemos uma cultura jovem muito forte nos anos 60. Agora, quanto a essa nova geração, eu a chamo de “I generation”. Outro dado que também diferencia essas gerações é que essa cultura é baseada nas drogas e na dança. A cultura das minhas filhas é totalmente música, clubes e drogas. Nós fomos ensinados a ir para a universidade, a ser acadêmicos. Hoje em dia, os modelos dessa geração são as estrelas do rap, as celebridades. Você não é admirado por seu intelecto, e sim por sua fama, corpo, beleza e dinheiro.

Folha - Como lidar com esse mercado?

Shah -
Eu sempre digo às pessoas que, se o mercado deseja atrair jovens de 7, 8 anos de idade, que os tratem como se tivessem 12, pois eles falam como um jovem de 12 anos e eles também se parecem com um jovem de 12 anos.

Folha - Você tem alguma idéia de como e por que isso acontece? Por que eles crescem mais rápido?

Shah -
Quando eu era pequeno, meu pai era médico, minha mãe não podia trabalhar, ficava em casa. Nós tínhamos essa cultura de realmente ter uma base em casa e também havia pouco acesso à TV. Nós não éramos expostos à mídia, havia muita censura em filmes, e nunca nos deixavam sozinhos. Isso é uma diferença enorme. Mas tínhamos muito tempo para brincar, tínhamos muita imaginação, brincávamos com carrinhos, bichos de pelúcia, os mais variados brinquedos. Agora olhe para a nova geração: os pais trabalham fora, há muitos casais divorciados. O número de mães solteiras é três vezes maior do que costumava ser. Mães trabalham e não têm hora pra voltar para casa, você acaba tendo muito tempo de sobra para fazer suas próprias coisas. O que você faz? Você assiste MTV, navega na Internet ou vai surfar. Nessas horas você está no seu próprio mundo e acolhendo muitas informações. Em segundo lugar, o fator música. Nós podíamos comprar discos, mas não tínhamos tanto dinheiro como os jovens de hoje. As crianças nos dias de hoje têm muito mais dinheiro simplesmente porque nos sentimos culpados. Eu viajo 220 dias por ano, me sinto um pai ausente. Então o que eu faço? Dou presentes, dou dinheiro. Em terceiro lugar, há muito mais produtos dedicados às crianças hoje em dia. Temos grandes companhias direcionando seu marketing às crianças/adolescentes. Hoje em dia, a garotada tem suas próprias “networks”. Eles querem resultados rápidos. Eles sabem o que querem antes de isso entrar para o mercado. E inovação é a palavra-chave, é onde eles atuam melhor. Essa nova cultura jovem tem um meio diferente de juntar as coisas. É claro, há as multiculturas. O Brasil sempre foi uma sociedade aberta, mas não se pode dizer o mesmo da Europa. Então há os fatores da globalização, das multiculturas e da maturidade, que chega mais cedo. Eles sentem quando seus pais se divorciam, quando seu pai está estressado no trabalho, e isso faz com que eles amadureçam mais rápido.

Folha - Você acha que a conexão com tecnologia e Internet tem alguma influência nisso?

Shah -
O que é interessante nessa geração _eu disse anteriormente que ela é educada numa cultura de música e drogas_ é que ela é trazida em um alto nível de criatividade. Eles vêm da cultura da mídia, música, filmes, moda etc. São ligados em software, computadores e tecnologia. No futuro, terão suas próprias empresas e não trabalharão em um escritório onde teriam que vestir terno e gravata. A base de seu trabalho será a criatividade. Se eles se entediarem, procurarão outro emprego; o ambiente de trabalho será totalmente diferente. Primeiramente, será desenhado para ser um lugar mais divertido e menos entediante. Em segundo lugar, eles terão seus próprios horários, não precisarão passar horas à mesa tentando produzir algo, pois não existe hora certa para se ter uma idéia. Não se pode datar idéias. A nova geração terá muito mais acesso à consulta, trabalhará das 22h às 4h, decidirá seu próprio horário de trabalho. Eles vão mudar o jeito de ver as coisas. E também serão solteiros, na sua maioria. Mas isso não significa que eles não se apaixonem. Houve uma pesquisa sobre quais são as cinco prioridades na vida da mulher de hoje, e o resultado foi: saúde, fazer algo interessante na vida, ter amigos, segurança econômica e homens. Mulheres e homens estão se diferenciando cada vez mais. Antigamente, íamos às lojas com nossos pais no sábado de manhã. A nova geração não se contentará com isso, ela quer lojas locais, serviços personalizados e individuais, quer poder sair para comprar algo às 3h.

Folha - Você acha que o marketing, as lojas, as empresas e indústria da moda estão entendendo essa nova mensagem? As pessoas estão mudando suas vidas rapidamente, mas o comércio nem sempre acompanha com a mesma rapidez.

Shah -
As empresas de sucesso acompanham tudo com muita rapidez, fazem seus desfiles, preparam seus catálogos, estão atentas ao que está acontecendo de uma forma geral. Elas têm um bom senso relativo ao que os clientes querem e ainda conseguem vender isso por um bom preço. Quem está indo bem? Há quatro marcas apenas: Gucci, Prada, Versace e Dolce & Gabanna.

Folha - E Calvin Klein.

Shah -
Certo. Mas o resto, nós nem ouvimos falar. Ferré, Martine Sitbon, até mesmo Gaultier. Eles não continuaram a inovar, a trazer novas idéias. Há dois tipos de jovens: os que são influenciados por celebridades, mídia etc. E há um novo tipo vindo aí que será tão importante para a sociedade quanto os yuppies foram para os anos 80 e os hippies, para os 60. E essa nova turma vai ser extravagante, mas também muito responsável. É a geração X, e eu diria que eles têm entre 25 e 35 anos. Eles se cuidam, estão ligados em saúde e espiritualidade. São jovens que não lêem “Elle”, “Vogue” ou “Marie Claire”. Eles lêem “Visionaire”, “Tank”. A geração X vai fazer trekking no Himalaia, está atrás de novas experiências. Eles também são gourmets, gostam de um bom vinho. E já reparou como pessoas de óculos parecem muito mais inteligentes? Até mesmo modelos como Christie Turlington, nas “premières”, elas não usam mais aquele vestido enorme, Valentino, elas não estão mais preocupadas em parecer elegantes, mas inteligentes e filosóficas.

Folha - Quem seria um modelo para essa geração? Gwyneth Paltrow?

Shah -
Não. A nova juventude quer se divertir. Eu ainda penso que Kate Moss continua sendo uma grande heroína.

Folha - E o que você acha de Gisele?

Shah -
Eu gosto de Gisele Bündchen, mas realmente não sei o que falar dela.

Folha - Por que você acha que o Brasil está tão na moda ultimamente?

Shah -
Vocês têm uma coisa grandiosa que nós não temos: o sol. Graças às celebridades, as pessoas querem mostrar mais diversão, mais cor. Então quando você pensa em Brasil, todas essas coisas vêm à tona. O Brasil é realmente o lugar para se estar no momento. A liberdade, o sol, a diversão... Mas eu não vejo o Brasil como um país intelectual. É um ótimo lugar para se estar, para se divertir. E não é isso o que todo mundo quer?


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