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A alta-costura vive

Estilistas modernos e clientela mais jovem rompem com os rígidos padrões dos últimos anos

Associated Press
Modelos do desfile de Christian Lacroix, na temporada de outono-inverno

JAMIE HUCKBODY
.DA “i-D”

Em janeiro de 1996, John Galliano apresentou sua primeira coleção de alta-costura à maison Givenchy. Duas temporadas mais tarde, Galliano estava na Christian Dior, e o relativamente novo Alexander McQueen foi proclamado seu sucessor. Isso anunciou o início de um revival da alta-costura, com talento de sangue novo, ampla cobertura de mídia e uma nova clientela de pop stars, máfia russa e a riqueza do
e-commerce.

Também sinalizou o poder de um homem que tirou Hubert de Givenchy da casa que fundara: Bernard Arnaut, o grande chefão da LVMH (Louis Vuitton Moët Henessy). Ele detonou a maior negociação de moda da história. Não somente colocou duas casas
de alta-costura empoeiradas no topo das contas, mas também garantiu o interesse da mídia. Gaultier abriu um ateliê de alta-costura, assim como Thierry Mugler. Renascia a alta-costura parisiense.

O gênero sempre teve alguma dificuldade em justificar sua existência. Era tomado como um truque de marketing das linhas de produtos de beleza, perfumes, acessórios e produtos licenciados. A moda está à toda com a logomania, acessórios que denotam status social e cosméticos de luxo. Mas são sempre os mesmos nomes.

Tal monopolização do sistema da moda por conglomerados tem polarizado a indústria: riqueza x pobreza, uniformidade x criatividade. Surgiram cenas alternativas reacionárias, com uma proliferação de desfiles fora de circuito e individualidade feita à mão. Em Londres, onde a indústria da moda sempre sofreu com problemas de manufatura, novos estilistas trabalham com partes manufaturadas como num ateliê de alta-costura ou misturam alta-costura com uma sensibilidade prêt-à-porter, criando um híbrido: a demi-couture.

Rouland Mouret, Brian Kirkby e Zowie Broach (a dupla da marca Boudicca) construíram uma pequena clientela, assim como Jessica Ogden. “Meu trabalho leva a individualidade ao extremo”, diz J.J. Hudson, da Noki Custom. “Não é alta-costura da ve° lha escola, mas tudo é feito no sistema de unidades. Há exclusividade em tudo.”

À medida que a indústria da moda se torna mais monopolizada, a capacidade da alta-costura para o drama e a experimentação fornece uma maneira de “inventar o momento”. Viktor & Rolf aproveitaram isso para se estabelecer como força fashion e futuros ícones da moda.

Criação sublime

“A alta-costura é um laboratório de idéias, um lugar de liberdade, onde podemos nos concentrar na criatividade antes de qualquer outra coisa. Uma oportunidade de criar moda da forma mais pura e sublime”, diz Rolf Snoerem.

Fazer alta-costura antes do prêt-à-porter lhes deu a oportu° nidade de atrair publicidade, colaborar com outros artistas, estabelecer o artesana° to do ateliê e, finalmente, conseguir apoio e manufatura para produzir a nova coleção de prêt-à-porter. “Cada coleção traz à tona novas técnicas para solucionar problemas”, diz Viktor Horsting.

O sucesso e a atenção despertada por Viktor & Rolf inspiraram toda uma geração de formandos do Instituto Arnhem, da Holanda, cuja abordagem estabeleceu a estética da escola. Oscar Raajmakers e Suleyman Demir formam a dupla holandesa à frente da marca Oscar Suleyman. A primeira coleção solo, mostrada em Paris no outono/inverno de 2000 tinha a decadência da alta-costura e a superioridade da construção. “Nosso objetivo é criar um hardcore chique que desafie o status quo. Nossas coleções de prêt-à-porter sempre tiveram um espírito de alta-costura. Para nós, alta-costura é questionamento e redefinição de beleza e estética. Nós sabemos as regras e os detalhes técnicos da alta-costura, e isso nos dá liberdade para desviarmos dela. O excitante é encontrar o perfeito equilíbrio entre o uso e o abuso dessas regras. A alta-costura é, agora, mais uma mentalidade do que apenas a costura à mão.”

A alta-costura parisiense é governada por regras rígidas, estabelecidas pela Chambre Syndicale de la Couture Parisienne. Esse conselho reconhece 13 casas, entre elas Balmain, Dior, Lacroix, Ungaro, Givenchy e Yves Saint Laurent, mais Valentino e Versace. As exigências incluem o emprego de 20 pessoas na produção do ateliê, uma apresentação de 50 roupas por temporada e uma sessão particular para a clientela dentro da maison. A alta-costura adequada é 70% feita à mão, mas hoje já é comum encontrar bainhas com overloque.

“Todos usamos as técnicas velhas e tradicionais da alta-costura, mas podemos nos dar ao luxo de forçar as experiências, chegando a idéias novas e modernas”, diz John Galliano, da Maison Dior. “Adoro a extravagância de ter tempo para desenvolver idéias novas e a possibilidade de trabalhar com os bordadores nos ateliês, aprendendo com eles e criando novos desafios para resolver. Alta-costura, para mim, é um laboratório de idéias.” Galliano diminui a distância entre a nova e a velha alta-costura: “As coleções de alta-costura inspiram todas as outras linhas da casa: echarpes, bolsas, sapatos, joalheria etc. Muitas das novas técnicas desenvolvidas na alta-costura são usadas no prêt-à-porter. As imagens da alta-costura estão agora disponíveis para uma gama maior de pessoas, portanto são um ótimo veículo para a publicidade. Além disso, os clientes são muito mais variados, indo desde o tradicional cliente de alta-costura até os jovens pop stars de Hollywood.”

Paris, 1858

Corta para Paris, 1858. O inglês Charles-Frédéric Worth acaba de abrir sua maison, fazendo vestidos para pequeno-burgueses e novos-ricos. A imperatriz Eugênia, ao ver uma de suas criações na corte, o indica como estilista imperial. Nasce a alta-costura de Paris. Worth se tornou tão autocrata quanto seus clientes, elevando o baixo status de “fazedor de roupas” ao de “artista venerado”. Worth morre em 1895 e seu ateliê fecha em 1954. Naquele ano, Chanel começava uma nova alta-costura, que usava a mesma complexidade de técnica, nobreza de materiais e qualidade de artesanato, mas que atendia à mulher moderna.

Seu trabalho era o do “fazedor de vestidos”, que resolvia problemas de conforto e ajustes, e o da mulher de negócios, que conhecia o poder de um nome com marca. Chanel iniciou a batalha entre o criativo e o comercial, que persiste até hoje. Ela conquistou ambos. Poucos conseguiram desde então. Então, o que é alta-costura?

Para alguns, é a arte de fazer vestidos, para outros, é pura e simplesmente a arte de fazer dinheiro. Para os novos estilistas, se transformou num grito de guerra, numa oportunidade de sobrevivência contra a mentalidade do Big Mac e numa maneira de substituir a intimidade perdida nos mo° nopólios dos grandes nomes. La couture est morte! Vive la couture!

Tradução de Ronald Villardo

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