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CIÊNCIA


Era dos extremos

Sociedade contemporânea oscila entre a mania de segurança e o comportamento de risco, que compensa a rotina e a perda de controle sobre o próprio destino

CAMILO TOSCANO E
VANER VENDRAMINI VILELA
DA EQUIPE DE TRAINEES

Caio Guatelli/Folha Imagem
Marco Coreno chega ao chão dez segundos após o salto

A sociedade urbana ocidental tem obsessão por segurança. O fascínio do risco, no entanto, também é geral. Todos pensam em aplicar seu dinheiro com segurança, mas gostariam de ganhar fortunas como as dos milionários e temerários investidores da Bolsa. Criticam-se as manobras irresponsáveis de motoboys no trânsito, mas vibra-se pela TV com corridas de motovelocidade.

A atração exercida pelos esportes radicais não fica só na TV. A prática de modalidades esportivas de risco vem aumentando. Nos EUA, entre 1993 e 1998, o snowboarding cresceu 113%, segundo estudo da American Sports Data, Inc. e da Sporting Goods Manufacturers Association. As condições adversas _fraturas, frio, preço do equipamento_ parecem não diminuir a atração por esse gênero de esporte.

No Brasil, para o mesmo período, a escalada esportiva cresceu 590%, segundo o site Brazil Outdoor (www.braziloutdoor.com.br).

A diversificação de modalidades arriscadas demonstra que a procura pelo risco só aumenta. Saltar de grandes altitudes atualmente não significa necessariamente pular de pára-quedas. Pode ser um salto de bungee jump, ou base jump, ou com um wing suit.

As razões psicológicas e sociais para a busca de situações perigosas são difíceis de rastrear. Alguns especialistas que refletiram sobre o tema avaliam que condutas de risco são, desde sempre, próprias da atividade humana.

“Esse comportamento pode exprimir uma falta de projetos de vida, sejam pessoais ou sociais. As pessoas estão reduzindo sua capacidade e complexidade, funcionando quase que automaticamente”, afirma Tânia Aiello Vaisberg, 48, livre-docente em psicologia clínica da USP. Para ela, a sociedade, que acreditava na tecnologia e na racionalidade como soluções para os problemas do mundo, está “comprometida com a desesperança”.

Paralelamente, na opinião de Lúcio de Brito Castelo Branco, 55, especialista em sociologia dos esportes pela UnB (Universidade de Brasília), a busca dos esportes de risco está intimamente relacionada à percepção de que os “outros esportes não conseguem mais atender à demanda por sensações que compensem a monotonia da rotina dominante”.

Percepção social do risco
O sociólogo britânico Anthony Giddens, considerado o ideólogo da “Terceira Via”, observa que os indivíduos, na sociedade atual, são impelidos a confiar em uma série de sistemas especializados. Em seu livro “As Consequências da Modernidade”, ele afirma que a medida da percepção pessoal do risco vem da confiança associada a cada situação, numa relação entre indivíduo e sistema.

O exemplo mais banal é a confiança no automóvel e no avião. Apesar de um percentual de mortes maior, dificilmente alguém diz que tem medo de andar de carro.

O nível de conhecimento necessário para dominar um avião torna mais difícil o estabelecimento da relação de confiança. Essa transposição do controle estende-se para outras partes da sociedade. As “reações de adaptação”, nos termos de Giddens, diante da perda do controle, podem abranger desde comportamentos arriscados até uma redobrada busca de segurança.

A tendência para o individualismo, a falta de controle sobre a própria vida e o próprio trabalho são os ingredientes de uma sociedade esgarçada.

Sentir-se vivo, para alguns, passa a exigir uma experiência direta de risco. Mais que uma explosão de processos químicos no corpo, o prazer está associado também a mecanismos psicológicos nas pessoas. O controle do medo, sua superação, é um dos grandes desafios.

Adolescentização
“Há também o arquétipo do herói: aquele que não envelhece, que avança. Se a nossa auto-estima está baixa, vamos buscar atos de coragem para nos aproximarmos desse mito perdido”, avalia Denise Gimenez Ramos, 52, doutora em psicodinâmica pela PUC-SP.

Uma das visões sobre esses comportamentos levanta a hipótese da uma adolescentização da sociedade. “Na adolescência, a busca do perigo é maior. Além disso, o adolescente tende a ter uma percepção rebaixada do risco por inexperiência e por estar disperso e hiperexcitado”, afirma o doutor em psicologia clínica da USP Luiz Alberto Hanns, 42.

“A busca do perigo pode ser uma retomada ou prolongamento da adolescência”, diz Hanns.

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