Descrição de chapéu

Autoria forte mostra descompasso em adaptação de 'Quase Memória' 

Ruy Guerra é o diretor do filme baseado em livro de Carlos Heitor Cony, tido com infilmável

O ator Tony Ramos em cena do filme 'Quase Memória' - Andrea Testoni/Divulgação
 
SÉRGIO ALPENDRE
São Paulo
 

quase memória

  • Quando estreia nesta quinta (19) no circuito comercial
  • Elenco Tony Ramos, Charles Fricks, João Miguel
  • Produção Brasil, 2016; 12 anos
  • Direção Ruy Guerra

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É estranho, mas diretores do cinema novo (Ruy Guerra, Walter Lima Jr., Carlos Diegues) mostram maior dificuldade de se manter em forma do que diretores do chamado cinema marginal (Andrea Tonacci, Júlio Bressane, Luiz Rosemberg Filho).

Enquanto os segundos fizeram alguns dos filmes mais fortes dos últimos anos —"Já Visto Jamais Visto", "Cleópatra", "Guerra do Paraguay"— os primeiros realizaram filmes irregulares como "Veneno da Madrugada", "Através da Sombra" e "O Maior Amor do Mundo".

Ruy Guerra é um dos diretores mais importantes da história do cinema brasileiro, de obras-primas como "Os Fuzis" e "A Queda". Tem noção inegável de dramaturgia e composição de imagem.

Mas seus últimos filmes não fazem jus ao talento (talvez pela dificuldade de filmar no país, mesmo para quem, como ele, já nos deu tanto).

"Quase Memória" (2015), baseado em um livro tido como infilmável de Carlos Heitor Cony (1926-2018), surge após um hiato de dez anos. Estreou no Festival do Rio de 2015, e entra no circuito comercial somente agora.

Na trama, Carlos Campos (Tony Ramos) encontra sua versão jovem (Charles Fricks), numa espécie de acerto de contas com o passado e com as lembranças do pai (João Miguel).

Falou-se muito da aparição do Carlos mais jovem para o mais velho, que remete a Ingmar Bergman (vide "Morangos Silvestres") e a um certo cinema italiano dos anos 1960 e 70. A ideia é boa, embora não seja original. E talvez não tenha sido executada da melhor maneira.

A escuridão dá o tom desde o início, com belas imagens no pântano (nas quais um sapo parece falar), convidando-nos a adentrar o tenebroso terreno mental do duplicado protagonista. Contudo, a câmera indecisa não favorece o claro-escuro que domina a encenação.

Um bom exemplo disso está nos momentos em que vemos o lar de Carlos, com aquela imensa janela que filtra a luz externa e deixa o ambiente semelhante ao de um filme de Alexander Sokurov ("Pai e Filho", apropriadamente, vem logo à mente). O rigor da composição da luz briga com a falta de rigor nos enquadramentos.

Apesar do claro-escuro reforçar os subterrâneos da memória e a maneira como nossas lembranças são adulteradas, e de alguns flashbacks delirantes, o filme gira em falso com as opções pela câmera na mão e por citações pueris (a de Fellini, convenhamos, é de um didatismo pobre). É o peso de uma autoria forte, mas em inadequação com o material.

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